A agropecuária é a segunda maior responsável pela emissão de gases do efeito estufa no Brasil. O setor fica atrás apenas da mudança de uso da terra. Mas você sabia que uma inovação promete reduzir este problema: o uso do biocarvão de bagaço de caju!

A substituição de fertilizantes convencionais por um biocarvão de bagaço do caju vem sendo tema de pesquisas no Centro de Ciências Agrárias da Universidade Federal do Ceará (UFC).

Logo, o bagaço de caju, resíduo farto da agroindústria nordestina, é mais uma oportunidade para reduzir a emissão de carbono e tornar a agricultura mais sustentável.

Convidamos a Dra. Mirian Cristina Gomes Costa, professora da UFC e uma das autoras de trabalhos sobre o tema, para falar sobre o biocarvão de bagaço de caju e suas muitas possibilidades.

O que é o biocarvão?

 O biocarvão é um material sólido obtido a partir da conversão termoquímica de diferentes biomassas em um ambiente onde a concentração de oxigênio é limitada.

Ele pode ser fabricado a partir de bagaço da cana-de-açúcar ou palha de arroz. Sua estrutura porosa e rica em carbono funciona como uma “esponja” de água e nutrientes capaz de ajudar na recuperação de terrenos degradados.

Para a produção, os biocarvões devem ser obtidos em condição de carbonização na ausência ou limitação de oxigênio.

Ou seja, devem ser produzidos em reatores fechados, próprios para essa finalidade. A temperatura de pirólise para obtenção de biocarvões pode variar de 300 a 1200 ºC, a depender do tipo de biomassa utilizada na produção.

Este é um material que tem potencialidades de uso em diversos setores, inclusive na agricultura, visando a melhoria de atributos físicos, químicos e biológicos do solo”, destaca Mirian Costa. 

Além disso, para alcançar maior viabilidade econômica do uso agrícola do biocarvão, a professora destaca que é importante que ele seja produzido a partir de resíduos orgânicos gerados localmente, como é o caso do caju, na região nordeste.

Nas pesquisas que iniciamos no estado do Ceará, como a agroindústria associada à cajucultura é relevante, há considerável produção de resíduos no setor, conferindo uma das potencialidades para a produção de biocarvão”, destaca.

Propriedades do biocarvão do bagaço do caju

Além de utilizar um resíduo da indústria que beneficia o caju, o biocarvão produzido a partir de bagaço de caju tem propriedades físicas e químicas que influenciam positivamente os atributos do solo. 

Como exemplos dessas propriedades, a professora da UFC destaca alguns dos atributos mais interessantes: 

  • Porosidade; 
  • Presença de grupos químicos funcionais; 
  • Presença de elementos químicos considerados nutrientes para as plantas, tais como fósforo, potássio, cálcio e magnésio. 

O estudo da UFC ainda mostrou que a aplicação de doses de 10 a 40 Mg/ha de biocarvão de bagaço de caju melhorou a porosidade do solo e promoveu a adsorção de silício.

Com isso, reduziu a expressão da coesão, traduzida por diminuição nos valores de densidade do solo e de resistência mecânica ao crescimento das raízes das plantas.

Essas propriedades contribuem para amenizar restrições físicas de solos adensados, aumentar a disponibilidade de água, bem como suprir parte da demanda nutricional de plantas cultivadas, reduzindo assim a necessidade de fertilizantes minerais”, complementa Mirian. 

Outra característica dos biocarvões citada pela pesquisadora é a capacidade que eles têm em conter maior quantidade de carbono em uma forma mais estável, de modo que sua aplicação agronômica contribui para o sequestro de carbono no solo. 

Com esse carbono “guardado” no solo e de uma forma mais estável, ele não é facilmente emitido para a atmosfera na forma de CO2”, salienta.

Testes ajudaram a identificar as aplicações do biocarvão de caju

Mesmo sendo uma ideia promissora, a professora da UFC reforça que paira a dúvida científica a respeito de quanto tempo esses biocarvões trarão benefícios às propriedades de um solo. 

Para isso, os pesquisadores realizaram diversos testes no uso do biocarvão de bagaço de caju: 

  • Para reduzir a coesão de solos com caráter coeso, cuja ocorrência é significativa na zona dos Tabuleiros Costeiros onde há produção agrícola de relevância sócio-econômica;
  • Para melhorar atributos físicos, químicos e biológicos de solo degradado de um núcleo de desertificação. “Isso pode melhorar as condições para cultivos agrícolas de comunidades locais, bem como favorecer ações de recuperação de áreas degradadas”, complementa Mirian: 
  • Recuperação de solos afetados por sais, cuja ocorrência é comum no contexto do semiárido brasileiro, mas que também podem ser encontrados em áreas de produção agrícola em outros contextos climáticos do país. 
  • Formulação de adubo. “Constatamos que sua utilização permitiu reduzir pela metade os fertilizantes minerais requeridos para a cultura do milho”.

Além das aplicações agronômicas, o bagaço de caju apresenta muitas outras possibilidades, como:

  • Corante natural;
  • Ração animal; 
  • Ingredientes de receitas;
  • Produção de hidrogênio;
  • Produção de energia;
  • Produção de bioplásticos, entre outras.

Desafios e perspectivas para uso do biocarvão de bagaço de caju

O trabalho ainda está em andamento e visa responder uma série de questões sobre a eficiência de uso do biocarvão de caju na agricultura.

Mas, segundo a professora da UFC, há ainda desafios a serem superados. Por isso, muitos passos ainda precisam ser dados.

Os resultados positivos que observamos até o momento foram obtidos em estudos realizados em casas de vegetação, ou seja, em condições controladas”. 

Logo, os próximos passos envolvem a realização de estudos de campo em que seja possível acompanhar com mais abrangência os efeitos do biocarvão no solo e nas plantas ao longo de diferentes ciclos e até chegar a fase que permita avaliar a produtividade das culturas. 

Considerando o desenvolvimento tecnológico, é natural que o avanço aconteça. Essas etapas são denominadas “níveis de maturidade tecnológica”, que tem a sigla TRL. 

Nós chegamos até a TRL 4 em que foram constatadas as funcionalidades do biocarvão de bagaço de caju em ambiente controlado. Agora o nosso desafio é partir para a TRL 5 por meio dos experimentos de campo”, completa Mirian. 

Para tanto, temos o desafio de: 

  • Obter financiamento para as pesquisas; 
  • Ter estrutura para produzir o biocarvão de bagaço de caju nas quantidades suficientes para estudos de campo; 
  • Obter coeficientes que apontem para a viabilidade econômica para que a tecnologia seja efetivamente implementada.

Mas, se as respostas forem positivas, terão sido criadas as condições para mudar significativamente a realidade da região através de um resíduo da cajucultura.

Aproveite para acompanhar outros artigos e novidades do setor, acompanhe o canal digital da Agrishow.