A Agrishow, que, infelizmente, teve que ser adiada por causa da pandemia do coronavírus, é a maior prova de que a tecnologia só avança ano a ano. Portanto, o maior entrave da agricultura passa longe do sistema tecnológico, mas se enraíza cada vez mais numa necessidade básica, porém, negligenciada: a educação. Essa constatação e este artigo são fruto de uma longa conversa que tive certa vez com um dos maiores especialistas e apaixonados pelo campo deste País, professor Afonso Peche Filho, pesquisador nível 6 do IAC (Instituto Agronômico de Campinas, órgão de pesquisa da Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios, da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo).

É muito comum confundirem as denominações “agricultor moderno” e “agricultor tecnológico”, uma vez que a tecnologia está muito ligada à modernidade. O agricultor moderno é aquele que tem uma boa legibilidade no meio rural, porque aprende a fazer a leitura correta do ambiente. Ele consegue entender as relações entre solo, água, chuva, possui entendimento da biodiversidade, que são fatores determinantes que levam à alta produtividade e à necessidade de redução contínua de custos. A gestão agroambiental é o que, de fato, nos leva a uma agricultura que tenha maior renda e menos agressividade. “A arte de agricultar é produzir ambientes produtivos e não ambientes degradados”, sentencia Peche.

Nos últimos 20 anos, a revolução tecnológica e o avanço nas pesquisas levaram a agricultura a um grau de sofisticação que não condiz com a atual realidade no campo. O vocabulário utilizado pelos engenheiros agrônomos e pesquisadores não é o linguajar usual dos agricultores que executam o sistema de produção. Então, abre-se uma lacuna entre o entendimento de uma tecnologia e a sua devida execução. No fim das contas, quem produz qualidade e riquezas no campo não são os doutores das palavras que detêm o conhecimento, mas são as pessoas simples do campo, os agricultores.

Em contrapartida, nos deparamos cotidianamente com o seguinte cenário: um operador de máquina jovem e imaturo que sente um prazer enorme de trabalhar com um trator de alta potência, pois, um trator bonito e forte, também o torna mais potente e vistoso em seu ambiente de trabalho. Na maioria das vezes, esses profissionais do campo não têm conhecimento tecnológico para utilizar o que tem em mãos. E essa falta de conhecimento não só limita a produtividade, como torna a compra de tecnologia mais cara, simplesmente porque é mal usada. Ao fazermos uma comparação entre o campo e acidade, é como ver um urbano pilotando uma Ferrari num trânsito congestionado.

Agora, imagine alguém dirigindo um trator que espalha um litro de composto químico por hectare. Estamos falando de 1 mil ml divididos por 10 mil metros quadrados, ou seja, a arte de jogar 0,001 ml em 1 metro quadrado de área. E se errar? É devastação na certa. A química é muito evoluída, mas é preciso que quem a aplica também seja evoluído em termos de capacitação. E aí coloca-se um operador de máquina sem instrução que apenas puxa o pulverizador com o trator, em vez de fazer a correta, segura e produtiva pulverização. Assim, um dos maiores problemas que temos no campo é a peça que fica entre o volante e o banco do maquinário: é gente.

Esse exemplo nos mostra mais uma vez que temos tecnologia, mas faltam bons usuários, o que faz com que também tenhamos problemas com a conservação do solo. A mecanização é uma das tecnologias que mais fragilizam os ambientes em mãos erradas. Da mesma forma que permite autonomia para produzir em grandes áreas, para fazer plantios espetaculares, esse recurso também fragiliza o meio ao expor o solo a chuvas torrenciais. Na agricultura tropical é determinante que haja atividade biológica diversificada, por meio de materiais orgânicos, e, como já foi dito e vale a pena repetir, é necessária uma excelente relação do solo com a água, que resulta num ambiente constantemente produtivo. Não podemos sequer pensar em promover uma agricultura diferente dessa, porque quando o fazemos geramos compactação ou poeira, como em Luís Eduardo Magalhães (BA), uma região de alta produtividade e que, contraditoriamente, cometemos um erro de 60 anos atrás, que é deixar o solo exposto ao sol e à chuva. E é aí que entra o plantio direto, um método fundamental, porque o grande desafio do agricultor é deixar o solo sempre coberto no clima tropical, mas este é um assunto que servirá de tema para um outro artigo…

Enfim, o agricultor precisa diminuir os erros, otimizar os acertos e a cada safra produzir ainda mais conhecimento, porque é este produtor, e é só ele, que retira os saberes da experiência que obteve do plantio à colheita. Entretanto, o grande problema do avanço da agricultura é a falta de repasse das informações que foram aprendidas no campo, porque a maioria dos produtores rurais não anota dados e todo o conhecimento acaba morrendo com ele próprio, em vez de retornar aos engenheiros agrônomos e aos pesquisadores. Daí a importância de não desistirmos da assistência técnica no campo para que haja essa troca entre aqueles que trabalham com as mãos na terra e aqueles que trabalham com as palavras e a análise dos dados.

Segundo Peche, até nós, comunicadores do Agro, temos a obrigação de ajudar essa parceria entre as pessoas mais humildes do campo e as pessoas mais letradas do Agro. Temos o dever de sensibilizar, de conscientizar e de capacitar. Na outra ponta, o agricultor também deve estar predisposto ao aprendizado e deve se deixar formar. A realidade é que não estamos nos dedicando às pessoas mais humildes, como deveríamos, e na esteira dessa necessidade estamos apresentando escassez nos serviços de assistência técnica no campo. Isso sem contar a resistência de agricultores que não querem abandonar antigas práticas transmitidas por gerações passadas. O desafio, sem dúvida, é gigantesco.

Mas há os interessados que ainda buscam informação por conta própria e até começam a investir em cursos digitais pagos do próprio bolso para aprimorar-se, mas se deparam com outra questão que é a ausência de sinal de internet na fazenda impossibilitando o aprendizado. Definitivamente, a tecnologia em si não é o problema, é a solução, mas terá valor nulo se não vier acompanhada de capacitação no campo ou, ao menos, de acesso à informação por meio de um excelente sinal de internet.

E ainda assim, com o apoio do Google ou do YouTube, ou a com a nova realidade de convivência por causa do coronavírus, o corpo-a-corpo, mesmo que há um metro e meio de distância entre o assistente técnico e o agricultor, não deve morrer, senão morrerão igualmente as informações, a coleta de dados e as experiências valiosíssimas no campo que jamais serão produzidas nas universidades e nos laboratórios de pesquisa.

Lilian Dias é jornalista especializada em agronegócio, possui MBA Executivo pela ESPM, com foco em habilidades de gestão de pessoas e práticas de liderança, e é autora do e-book “Os Pilares do Agronegócio”. Workshops onlines e gratuitos pelo link: https://www.liliandias.com.br/workshop . Instagram: @jornalistalilian – E-mail: [email protected]

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