O ano foi 2016. Trump foi eleito presidente dos Estados Unidos.

O discurso nacionalista repetidamente usado durante a campanha embalado ao lema “MAGA” – Make America Great Again – Faça a América Forte Novamente, tocou o coração e mexeu com brio dos norte-americanos republicanos que o elegeram.

O eleitor de Trump embora naquele momento não representasse a maioria no país, mostrou-se mais unido. Com maioria branca, quem votou nele nutria ideias conservadoras e clássicas sobre família, armamento e controle mais rígido em fronteira.

Trump não era político, mas se tornou. Cheio de autoconfiança, ele talvez não tenha sido preparado para enfrentar a comparação natural com seu antecessor. Esse foi o seu primeiro grande desafio ao suceder um dos mais carismáticos presidentes da história moderna norte americana, o democrata Barak Obama. 

Com uma alma nata para os negócios, Trump construiu um novo conceito de comunicação ao fugir do protocolo convencional e adotar sua rede social com canal de diálogo junto aos seus cidadãos.

E ao perceber que como presidente o alcance de sua fala chegava mais longe, passou a governar um país sob os holofotes do mundo digital. Seus opositores o criticavam e seus eleitores se sentiam representados e o apoiavam e dentro do público clássico que o elegeu, o Agro circulava em peso.

Na representatividade por estado que pode ser observada na ilustração abaixo, fica claro notar que estados produtores e processadores de alimentos como soja, milho, trigo, sorgo, proteína animal foram decisivos para a vitória do republicano e pelo menos três desses estados Iowa, Ohio e Florida (produtores de grãos e frutas) definiram nos últimos momentos da campanha o resultado das eleições.

Eu poderia dizer que a passividade de muitos democratas definiu a eleição, mas na ausência deles, sigo defendendo que foi o agro quem elegeu Trump.

 

Mas, como não existem fórmulas prontas e como nem sempre o final é feliz, é justamente seu público alvo, o agro quem mais sentido os efeitos das decisões estratégicas do governo durante os três anos e meio desse governo.

Na tentativa de criar o vínculo com a nação tão polarizada e de construir rapidamente uma ponte para um segundo mandato, foi através de um discurso nacionalista que Trump focou em práticas para incentivar a reconstrução econômica de uma pais e começou através de uma postura ativa confrontar vários países.

O excesso de confiança em suas estratégias e a busca pelo equilíbrio comercial com diversos países simultaneamente, levaram Trump a subestimar os efeitos de uma disputa pública e aberta com um país tão conservador quanto China. Trump escolheu um caminho de negociação acreditando que seria fácil alcançar seus objetivos e não foi.

Ao adotar medidas protecionistas para aço e alumínio, o presidente norte americano abriu em março de 2018 uma ferida enorme e que sangra sem parar até os dias atuais e a partir daquele momento iniciou-se uma Guerra Comercial com China.

Estratégica, em meio ao discurso inflamado, imprevisível e crescente de Trump, China buscou alternativas e achou em outros países a disponibilidade de ofertas do que precisava. Começou antes mesmo do “início oficial da guerra” a se proteger no mercado internacional e garantindo que tinha armas para levar uma briga adiante, imediatamente revidou.

Esse efeito estrategista e antecipado da China o Brasil percebeu à medida que mesmo em uma fase de colheita no Brasil, os prêmios se valorizavam num ritmo constante para então explodirem com o início da disputa.

E foi devido a isso que Brasil e Argentina um mês antes do início da guerra começaram a registrar um fluxo crescente de negócios com a China e que foi acentuado tão logo a guerra foi declarada. Prova disso foi o Brasil ter batido recorde ao embarcar 12.3 milhões de toneladas de soja em maio de 2018, marca novamente superada em abril desse ano com a performance de 16.3 milhões de toneladas da oleaginosa.

A ferida, mesmo parecendo cicatrizada, ainda sangra. Os Estados Unidas que já deveriam estar em um momento de plena corrida eleitoral, precisam lidar com os efeitos limitantes de uma pandemia.

Trump sofre os feitos do vácuo da China como compradora de seus produtos. China compra dos EUA, mas não abandona o Brasil. E como se o tempo estivesse acabado, ele percebe que precisa agir para a disputa de seu segundo mandato.

Ele segue com a estratégia agressiva cobrando uma China mais atuando, mas sem deixar de atribuir o coronavirus como vírus chinês. Ele faz isso em um momento que os asiáticos se preparam para uma segunda onda, mas dão sinais de uma recuperação. China voltou as compras para reabastecer estoques de insumos com a retomada do rebanho suíno que foi impactado pela peste suína africana.

Certamente essa postura de Trump deve lhe assegurar votos. Seus eleitores de extrema direita cobram dele a mesma uma postura pré-eleitoral crítica e nacionalista, mas é fato que vários dos que votaram nele, mesmo dando o suporte as suas decisões, se questionam se ele como presidente tomou mesmo o melhor caminho na busca pelo reequilíbrio do déficit comercial com China.

Entre republicanos é unanime a concordância sobre a necessidade de equalizar a desproporção de transações comerciais e até mesmo democratas pensam nessa linha embora de forma menos agressiva.

Os Estados Unidos muito mais importam que exportam para a China e o déficit entre as transações crescente traz prejuízos ao país. No entanto o que não é mais unânime e que pode fazer a diferença é que em sua base eleitoral há questionamentos sobre a maneira com que Trump está negociando com os chineses.

Como consequência instantânea, a briga gerou desinteresse da China por alimentos e por isso mesmo, após tanto tempo do início da guerra, o agro norte americano se questiona pela visível perda de competitividade da sua carteira agro.

Estados Unidos deixaram de aproveitar oportunidades e só não tiveram um desempenho pior pois associações de produtores de estados como Iowa e Illinois foram ágeis ao buscar, através de missões internacionais, opções de países importadores enquanto o país ainda travava as primeiras disputas com China.

Foi durante esse período que o Brasil se consolidou como maior exportador mundial de oleaginosa e conquistou também o título de maior produtor do grão. Vale relembrar que Brasil também foi beneficiado no milho quando favorecido pela desvalorização cambial passou a absorver demanda mexicana pelo cereal. Os desgastes sobre a construção do muro em toda a fronteira com o México motivaram o interesse das tradings daquele país para o mercado sul-americano.

Outro mercado brasileiro favorecido pela guerra comercial foi o de carnes.

Em meio as disputas, o Brasil se consolidou como origem de qualidade para a demanda chinesa que necessitava de alternativas em um momento em que estava lidando com a propagação da peste suína africana. China que tinha o maior plantel de suínos viu em 2019 seus rebanhos reduzirem 50% devido a doença e teve que importar mais proteína animal.  

De novembro de 2016 a fase atual, lá se foram 3 anos e 8 meses e muitos prejuízos ao mercado agro dos Estados Unidos e muitos milhões de dólares, através de incentivos socorreram um setor que beirou momentos de colapso.

De agora até as próximas eleições faltam poucos meses. E essa proximidade provoca questionamentos relevantes. Faltando tão pouco tempo para a intensificação da campanha eleitoral, e imaginando que Trump deseja ser lembrado pela história como um presidente que construiu um legado nacionalista para seu povo, qual caminho ele adotará?

O momento atual é delicado. Ele vivencia momentos de forte polarização entre seu povo e segue combatendo um mal que ainda não tem remédio. Resultado: uma conta cara de pagar. E isso nos faz voltar aos questionamentos de qual caminho Trump adotará? O mesmo de 2016?

E talvez seja justamente desse momento de fragilidade que Trump encontre caminhos para resgatar o nacionalismo de seu país, seja brigando por um maior equilíbrio comercial, seja cobrando dos chineses a “conta cara da pandemia” e se essa for sua escolha, estaria aí o início de mais uma nova fase da Guerra Comercial.

Numa queda de braço contra o tempo, ou Trump consegue da China o que precisa em um curtíssimo prazo e usa essa vitória como sua maior arma de campanha, ou não restam dúvidas que partirá para cima dos chineses com força total e em sendo essa a escolha, jogará o acordo da fase 1 no lixo.

O resultado dessa estratégia traria a base do seu eleitorado mais fiel, o agro, para decidir nas urnas justamente em um momento em que o país tiver colhido uma safra com área cheia.  A diferença do resultado estaria na presença dos democratas nas urnas.

E agora Trump? O que fazer? Qual estratégia você adotará?

As respostas ainda não temos. O que resta ao setor agro no Brasil é acompanhar bem atentamente quais serão os próximos passos dessa próxima eleição nos EUA. Polarização e disputas extras com China significarão novas oportunidades para o agro do Brasil. Talvez preços melhores ainda, novos mercados sendo abertos, mas certamente um agro brasileiro muito mais plural pelas possibilidades do que já tivemos aqui.