Formada por 27 países, a União Europeia, como bloco econômico, é o segundo principal destino das exportações brasileiras. Em 2022, elas chegaram a US$ 50,8 bilhões, com grande destaque para as commodities agrícolas e industriais.
No entanto, uma recente análise conduzida pelo Boston Consulting Group (BCG) demonstra que as novas regulamentações ambientais da União Europeia podem transformar o cenário do comércio global, afetando diretamente as exportações brasileiras.
A análise do BCG indica que essas novas regras vão desafiar produtores e industriais do Brasil que exportam suas commodities agrícolas e industriais para a UE.
Confira quais são as regras ambientais da União Europeia e como elas desafiam as exportações brasileiras de commodities agrícolas/industriais.
Principais regras ambientais da UE e seus impactos ao Brasil
É justo reconhecer que a União Europeia tem ocupado o pódio nas proposições de iniciativas para mitigação dos efeitos resultantes das modificações climáticas.
O ambicioso “European Green Deal”, por exemplo, estabeleceu a meta de redução de 55% das emissões dos gases de efeito estufa até 2030 (comparadas àquelas emanadas ainda em 1990), além da reversão completa até 2050, vislumbrando assim o reconhecimento de futuro emissor neutro.
Essa motivação resulta no ajuste de mais de cinquenta propostas (focadas na sustentabilidade, economia circular, energia renovável e eficiência energética, proteção e restauração da natureza, dentre outras).
Mas, segundo o BCG há duas medidas que terão impacto mais significativo para o agronegócio e para a indústria brasileiros:
- Mecanismo de Fronteira para Ajuste de Carbono (Carbon Border Adjustment Mechanism – CBAM);
- Regulação de Desmatamento da UE (European Union Deforestation Regulation – EUDR).
A primeira regulamentação envolve uma taxa sobre as emissões de CO2 associadas a algumas commodities industriais importadas por países europeus, como aço, alumínio e produtos químicos.
A medida, que entra em vigor a partir de 2026, já está em seu período de transição, com importadores da UE precisando reportar o total de emissões de carbono embutidas em seus produtos.
A EUDR, por sua vez, proíbe a comercialização de commodities que vêm de áreas de desmatamento, visando reduzir seu consumo no mercado da União Europeia.
Assim, commodities agrícolas como cacau, café, óleo de palma e madeira só poderão ser comercializadas se forem provenientes de solo não desmatado (legal ou ilegalmente), ou que não tenham induzido a degradação florestal após 31 de dezembro de 2020.
Isso certamente afetará setores de exportação importantes na África, Sudeste Asiático e na América Latina, incluindo o Brasil.
Segundo Arthur Ramos, diretor executivo e sócio do BCG, a UE é um dos maiores importadores de produtos do agronegócio brasileiro, incluindo soja e café, exigindo de produtores e exportadores a adoção de algumas ações importantes.
“Para minimizar as perdas, os exportadores precisam investir mais em sistemas de rastreabilidade, transparência e processos que permitam atender às certificações exigidas”.
Ramos continua: “Já vemos uma evolução neste sentido, mas é importante que o mercado siga progredindo em relação a práticas de controles e procedimentos, gestão de riscos e compliance”.
Desafios para os exportadores brasileiros
Segundo a análise do BCG, as exportações brasileiras terão muitos desafios diante das novas regulamentações ambientais da União Europeia.
Um dos desafios que as empresas brasileiras vão enfrentar por conta das regulações europeias, principalmente no quesito desmatamento, é adotar medidas que garantam a rastreabilidade de nossos produtos, de ponta a ponta, em especial para a carne bovina (do criador ao importador).
“Garantir a procedência e ter a visão completa da cadeia de valor ainda não é uma realidade das empresas brasileiras, exigindo investimentos relevantes. Ainda há uma grande complexidade para execução, devido a um território com dimensões continentais como o do Brasil”, destaca Arthur.
A busca pela padronização é outro obstáculo, por conta da falta de uniformidade nas exigências de emissões entre países europeus, Brasil e outros destinos.
Muitas oportunidades também se abrem para o Brasil
Apesar dos desafios impostos, a análise do BCG mostrou também que grandes empresas de mercados emergentes que lideram a jornada da sustentabilidade climática geram retornos totais aos acionistas (TSR) 105% superiores ao Índice MSCI de Mercados Emergentes de 2017 a 2022.
Empresas que atendem a padrões elevados de conformidade com metas climáticas também desfrutam de maior acesso a capital de investimento e atraem mais talentos, além de terem mais oportunidades para mudar a dinâmica em seus setores com modelos de negócios voltados à sustentabilidade.
E, neste cenário, o Brasil pode mostrar mais uma vez seu protagonismo. Nosso país possui sofisticadas políticas públicas para a conservação de florestas, controle do desmatamento e produção agrícola sustentável.
Ou seja, há um certo alinhamento entre os objetivos do EUDR/CBAM e as políticas ambientais brasileiras relacionadas ao controle do desmatamento, a redução da emissão de gases de efeito estufa (GEE), e a proteção da biodiversidade.
O Brasil também conta com ferramentas tecnológicas que auxiliarão os operadores europeus no levantamento de informações para o procedimento de devida diligência dos produtos brasileiros, incluindo:
- Cadastro Ambiental Rural (CAR), que conta com informações georreferenciadas das áreas com floresta e de uso agropecuário. O CAR pode ser usado para a geolocalização dos produtos a serem exportados;
- Sistemas avançados de monitoramento do desmatamento, como o Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite (Prodes) e o Sistema de Detecção do Desmatamento em Tempo Real (Deter); e
- Iniciativas de rastreabilidade, monitoramento e certificação da cadeia produtiva do gado, como o TAC da Carne e Selo Verde, e também da soja, como a Moratória da Soja e a Mesa Redonda da Soja Responsável.
Nesse sentido, o que inicialmente era visto como um desafio, pode se apresentar como uma oportunidade para que o Brasil:
- Avance na implementação do Código Florestal, principalmente do CAR;
- Fortaleça suas políticas de combate ao desmatamento e alcance a meta de desmatamento ilegal zero até 2030; e
- Desenvolver sistemas nacionais de monitoramento e rastreabilidade da cadeia produtiva.
Ou seja, a implementação das políticas ambientais brasileiras pode servir como um certificado que comprove a sustentabilidade da produção agropecuária nacional, o que pode garantir uma maior participação dos produtos brasileiros no mercado europeu, além de permitir a abertura de novos mercados.
As exportações brasileiras de commodities agrícolas tem tudo para se manter elevadas
Diante de toda a análise do BCG, fica claro que as empresas alocadas em mercados em desenvolvimento, como no Brasil, ainda têm tempo para adotar as medidas necessárias para continuarem competitivas na União Europeia.
Para isso, é importante que as organizações se preparem para atingir padrões de sustentabilidade em diversas dimensões, como:
- Mapear a relevância das regulamentações para os negócios;
- Identificar lacunas em medição;
- Reportar e capacidade da empresa em oferecer produtos de baixo carbono; e
- Desenvolver um mapa de todas as operações para a transformação de sustentabilidade, identificando as ações que irão melhorar o desempenho nos quesitos socioambientais.
Para isso, é essencial aumentar o diálogo e as negociações sobre a equivalência de padrões ambientais entre Brasil e UE, investir em cooperação técnica para o desenvolvimento de práticas agrícolas e industriais mais sustentáveis.
“Desde 2015 vemos a proliferação de novas regulamentações climáticas no mercado global, e a tendência é que as exigências fiquem cada vez maiores para exportações. Entrar em conformidade com essas novas regras é possível, e estar na vanguarda do movimento sustentável pode criar vantagens competitivas a longo prazo”, finaliza Arthur.