Culturalmente, a França é mundialmente reconhecida, com destaque para as belezas urbanísticas de suas cidades, sua rica e refinada culinária e sua produção de queijos e vinhos apreciados em todo o mundo.
Mas outro ponto de destaque é a forte agricultura francesa. Com uma vasta história, a produção agrícola da França faz com que esse país europeu detenha o título de maior produtor agrícola europeu.
E muitas são as características que explicam essa representatividade da Agricultura francesa dentro da Europa e em todo o mundo.
E para falar sobre a agricultura no território francês que desenvolvemos o primeiro artigo da nossa série AGRICULTURA PELO MUNDO.
No primeiro artigo da nossa série conversamos com a Profª Drª Vera Dubeux Torres, docente da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), membro da Acadèmie d’Agriculture de France (AAF) e especialista em agricultura francesa.
Maior produtor agrícola da união europeia
A produção agrícola francesa é a maior de toda a União Europeia, oferecendo ampla diversidade de produtos, voltada tanto para exportação como para consumo local. Além de cereais, grãos, oleaginosas, legumes, hortaliças e uvas (vinicultura), o país também se destaca na pecuária leiteira.
Os principais produtos agrícolas da França são o trigo, o milho, a carne e o vinho. A colza também é muito cultivada tanto para alimentação quanto para energia. A beterraba, por sua vez, é um dos principais produtos advindos das grandes culturas, sendo empregada principalmente para a produção de açúcar.
A pecuária, desenvolvida de forma intensiva, garante o abastecimento de carnes e laticínios. As hortaliças, legumes e frutas também são amplamente cultivadas.
“Os franceses são usuários de saladas verdes, queijos e vinhos e os grandes eventos e feiras são pontos de convergência entre pecuaristas, agricultores, pesquisadores, professores e estudantes”, destaca a professora.
Nos grandes e tradicionais salões (Bordeaux, Paris…) e feiras são apresentadas as novas tecnologias do segmento. São realizadas também trocas de experiências e negócios (ambiente ideal para a comunidade que permeia o agronegócio).
“Tive a oportunidade de conduzir equipes de produtores brasileiros nessa grande aventura de, em busca de conhecimentos e tecnologias, participar desses eventos”, salienta a professora Vera Dubeux.
Clima e geografia da França: propício para a agricultura
O clima da França é bastante diversificado, bem como a sua geografia.
O clima francês é do tipo temperado, enquanto seu relevo varia das planícies, ao norte e nordeste, até as cadeias montanhosas, ao sul e a leste. No Norte e no Oeste, o clima é oceânico, caracterizado por verões amenos e invernos suaves, com chuvas frequentes ao longo do ano.
No Sul, o clima mediterrâneo prevalece, com verões quentes e secos e invernos suaves e úmidos.
Já a sua vegetação é marcada pela floresta temperada e pelas formações mediterrâneas, com seu território sendo dominado pelas florestas coníferas, com muitas espécies de pinheiros.
Além disso, mais de 30% do território francês são cobertos por florestas (16 milhões de hectares). “Entre 1985 e 1995, a floresta francesa cresceu a uma taxa anual de 30.000 hectares por ano (três vezes o tamanho de Paris)”, salienta Vera Dubeux.
São vários os parques nacionais existentes com destaque para o de Vanoise que é o maior parque nacional da França continental de nome “Gran Paradiso” localizado nos Alpes próximo à fronteira italiana.
Sistema agrícola francês: dos anos 800 ao processo de reestruturação dos anos 2000
Histórica potência europeia e importante ator no cenário global, Vera Dubeux explica que a França tem suas origens na reorganização dos povos da Europa Central, após o fim do Império Romano.
“Sua extensão territorial começou a ser definida nos tempos do Império Carolíngio, iniciado por Carlos Magno no ano 800. Já na Idade Moderna, a França consolidou-se como uma das mais poderosas monarquias do continente”.
Além disso, a França dispõe de uma superfície arável importante como explicado pela professora da UFAL. “A França possui cerca de 27 milhões de hectares, ou seja, pouco menos da metade da superfície total do território (16% das terras agrícolas da União Europeia). As terras aráveis dos dois lados do paralelo 45º Norte permitem uma grande diversidade de produção”.
Mas, mesmo com toda essa história, a professora explica que a agricultura francesa se encontra em fase de reestruturação. “O número de explorações agrícolas tem baixado e a atividade agrícola está concentrada em explorações cada vez maiores”, destaca.
Tal como na maioria dos países europeus, este processo começou há muito tempo, em meados do séc. XIX, no caso francês. Mas o verdadeiro ponto de viragem deu-se no início dos anos 60, com a criação de uma política agrícola moderna, primeiro a nível nacional e posteriormente a nível europeu.
Neste período, iniciou-se a modernização da agricultura, levando a uma diminuição do número de explorações agrícolas. De acordo com o recenseamento agrícola de 2010, havia 515 000 explorações em França (continente e territórios ultraperiféricos). A modo de comparação, no ano 2000 se contavam 665 000, indicando uma queda.
Assim, os agricultores estão progressivamente se especializando em um pequeno número de produções. “Atualmente mantém-se esta tendência demográfica de longo prazo e não deverá parar nos próximos tempos”, opina Vera.
Além disso, nos últimos anos, a estrutura fundiária francesa passou por um período de grandes perturbações, visíveis nas fortes oscilações da curva de rendimento médio das explorações agrícolas.
Segundo a professora e especialista em agricultura francesa, duas reflexões estão fortemente presentes atualmente:
- Comércio Externo: a Indústria Agro-alimentar como um valor seguro para a Europa;
- Rendimento Agrícola – Déficit de crescimento da atividade agrícola na França e a retomada do crescimento dos rendimentos dessas culturas preservando os princípios da sustentabilidade.
Inovações e Tecnologias Agrícolas da agricultura francesa
Assim como boa parte da Europa, a França, ao longo dos anos, vem investindo fortemente em inovação tecnológica. A professora Vera Dubeux vem acompanhando toda essa evolução tecnológica.
“Deste 1995, acompanho muitas das iniciativas dos pesquisadores em várias áreas do conhecimento e em particular nas relacionadas com agropecuária e energia. Eu mesmo presenciei passagens e interações construídas com base no que a França produziu, difundiu em vários países e pesquisou com a ajuda dos organismos nacionais e internacionais que fazem parte de uma vasta rede de relações construída ao longo dos anos”.
A França, inclusive, tem desenvolvido muitos acordos com o Brasil através de Instituições de pesquisa, ensino e extensão, fruto de parceria com o setor produtivo, associações e sindicatos. “A cada ano as relações estão se estreitando”, afirma Vera Dubeux.
Com isso, vários grupos de empresários franceses desenvolvem suas atividades econômicas no Brasil. Grupos brasileiros também estão instalados na França.
A professora da UFAL destaca que a realização de eventos internacionais com ampla programação difunde as tecnologias e proporcionam trocas de experiências entre vários países, ajudando na implementação de programas de ação de interesses dos países que buscam inovações tecnológicas.
“Sou testemunha desse esforço contínuo que resulta em boas dinâmicas e trocas de experiência. Muitas empresas francesas passaram a investir no Brasil e o modo operante dessas empresas por vezes é também adotado em vários países”, afirma.
Desafios enfrentados pela Agricultura Francesa
A médio prazo (desde meados 1998), o rendimento da atividade agrícola francesa apresentou uma tendência de baixa, se afastando do ritmo de crescimento que se verifica no resto da economia francesa.
Tal fato indica um dos desafios mais importantes a serem enfrentados pela agricultura francesa.
Diante disso, foi instituído um grupo de estudo formado por membros da Academia Francesa de Agricultura e pela Academia Francesa de Tecnologia que resultou na publicação de um livro em 2020, com o título traduzido para Desafios da Agricultura Francesa (2019). “Participei dessa análise e sou uma das autoras do referido livro”, salienta Vera Dubeux.
Segundo a professora, o que motivou a constituição do grupo em 2017 foi a constatação de que a agricultura francesa estava enfrentando vários desafios, sociais, econômicos e técnicos.
Diante dessa constatação, trinta membros das academias francesas de agricultura e tecnologia criaram um grupo de trabalho para estudar a possível contribuição das tecnologias para ajudar os agricultores a enfrentarem seus desafios técnicos.
Na primeira parte, os três principais desafios são:
- Controle de doenças e pragas, com uma visão particular do impacto das mudanças climáticas e das doenças emergentes, isto no contexto das proibições de um número crescente de produtos fitofarmacêuticos;
- Controle de ervas daninhas, também no contexto da proibição de vários herbicidas; e
- Estresse hídrico e as limitações da água durante os períodos secos, questão particularmente preocupante na França devido à opinião geral contra o estabelecimento de reservas de água.
Vários outros desafios foram citados pelo grupo de trabalho, como a necessidade de previsões meteorológicas mais confiáveis, a melhoria da fertilização com nitrogênio, colhedoras de múltiplos propósitos, dentre outros.
A segunda parte apresenta uma síntese de tecnologias para enfrentar esses principais desafios. A competitividade das plantas cultivadas também é um caminho em desenvolvimento, sendo que uma primeira abordagem consiste em escolher variedades com vigor inicial e alto poder de cobertura.
Para finalizar, a professora destaca que novas técnicas e ferramentas devem ser aplicadas para permitir à agricultura francesa enfrentar esses desafios.
“Algumas dessas técnicas já são mais operacionais, outras oferecem esperança a longo prazo. Essa implementação dependerá dos recursos alocados às condições regulatórias e de pesquisa. Porém, levará tempo, porque a evolução de um agrossistema, organismo vivo, não pode ser feita sem um tempo mínimo de adaptação”, salienta a professora.