Com a aproximação da COP30, a adaptação climática se tornou um tema de extrema relevância para o agronegócio. Segundo um levantamento da Confederação Nacional de Municípios (CNM), eventos climáticos extremos como as enchentes que devastaram boa parte do Rio Grande do Sul, em maio de 2024, causaram prejuízos de R$ 5,4 bilhões à agricultura e à pecuária do estado. 

Nesse contexto, uma pergunta se torna central: como garantir segurança alimentar em um planeta mais quente, com secas prolongadas, enchentes mais intensas e eventos extremos recorrentes? A resposta começa na base do sistema produtivo: sementes resistentes — frutos de décadas de melhoramento genético, salto recente da biotecnologia agrícola e da edição genômica (CRISPR), turbinadas por fenotipagem de alta performance, bioinformática e bancos de germoplasma.

“As tecnologias mais promissoras no desenvolvimento de cultivares e variedades são as Técnicas Inovadoras de Melhoramento de Precisão (TIMP), como a edição gênica. Essa técnica reproduz mutações que poderiam ocorrer naturalmente ou por melhoramento tradicional e, portanto, mantém a biossegurança. No Brasil, está sendo desenvolvida soja geneticamente editada por CRISPR/Cas visando tolerância à seca”, explica Bianca Vigna, pesquisadora da Embrapa.

O cenário climático e seus impactos na produção de alimentos

A elevação média de temperaturas, somada à maior frequência de secas e enchentes, compromete produtividade e estabilidade de oferta — dois pilares da segurança alimentar. Devido a importância do tema, a adaptação climática agrícola deve ser discutida na COP30, junto à necessidade de dialogar com políticas estruturantes e com a necessidade de acelerar cultivares capazes de tolerar estresse hídrico em plantas, calor, salinidade e alagamento, mantendo qualidade e previsibilidade de safra.

Não se trata apenas de “perder rendimento”: calor extremo encurta ciclos, altera floração, reduz pegamento de grãos e abre espaço para novas janelas de pragas e doenças. Quando a chuva vem fora de hora — ou vem demais — aumenta a perda por encharcamento, erosão e dificuldade de manejo.

O que muda no campo, na prática
  • Estresse hídrico em plantas: menos disponibilidade de água no solo em momentos críticos (brotamento, florescimento e enchimento de grãos) derruba produtividade e qualidade.
  • Ondas de calor: acima de certos limiares, pólen perde viabilidade e a planta prioriza sobrevivência, não produção.
  • Excessos hídricos: alagamentos asfixiam raízes, favorecem patógenos e atrasam operações (plantio/colheita).
  • Pressão biótica: ciclos mais curtos de insetos e patógenos elevam a intensidade de ataques e mudam mapas de risco.
Por que isso importa para a segurança alimentar
  • Disponibilidade: menos produção, mais volatilidade de oferta.
  • Acesso: choques de preço encarecem a cesta básica e insumos para proteína animal.
  • Estabilidade: eventos extremos repetidos desmontam planejamento de estoque e logística.
  • Qualidade/uso: calor e excesso de chuva impactam teor nutricional e padrões industriais.

Tecnologias de ponta no desenvolvimento de sementes resistentes

A pesquisadora Bianca Vigna explica que “o melhoramento convencional usa ciclos de seleção e cruzamentos entre materiais de interesse, enquanto o melhoramento por edição genômica utiliza técnicas para inserir ou ativar/desativar genes com precisão no genoma, geralmente em material já considerado superior”.

Fenotipagem de alta performance

Aqui entram drones, câmeras multiespectrais/hiperespectrais, plataformas de automação, agricultura de precisão e análise de imagens: medir milhares de plantas, em múltiplos ambientes, com grande volume de dados — tudo mais rápido e com menos viés humano.

“A fenotipagem de alta performance estuda estrutura e função das plantas em relação ao ambiente, quantificando de forma não invasiva e em alto desempenho, com automação, processamento de imagens e agricultura de precisão. Isso acelera e torna mais eficiente a caracterização das plantas”, afirma Bianca Vigna.

Bioinformática e IA

Pipelines de bioinformática triagem genomas, associam marcadores genéticos a características de interesse e priorizam cruzamentos/edições. A inteligência artificial entra como catalisadora em previsão de desempenho, seleção assistida e desenho experimental.

A bioinformática permite identificar genes de interesse em larga escala e com mais eficiência, acelerando essa etapa. 

Bancos de germoplasma e agricultura resiliente

A diversidade armazenada em coleções é o “estoque estratégico” para enfrentar novas pragas e estresses abióticos, alimentando programas de melhoramento genético e biotecnologia agrícola no Brasil e no mundo.

Smart agriculture IoT with hand planting tree background

Casos de sucesso e impactos na segurança alimentar

A vitrine global já mostra ganhos concretos: arroz tolerante a alagamento, milho tolerante à seca e feijões mais estáveis sob estresse térmico. Esses materiais reduzem perdas, mantêm oferta e ajudam a estabilizar renda — sobretudo em regiões mais vulneráveis. No Brasil, a integração entre redes de pesquisa e setor produtivo acelera cultivares adaptadas a ambientes tropicais, conectando adaptação climática na agricultura a metas de segurança alimentar.

De acordo com a pesquisadora Bianca Vigna, o Brasil tem potencial para liderar a corrida por sementes resistentes, considerando a importância do setor agrícola e a atuação conjunta do setor público e privado. 

Desafios: do marco regulatório ao acesso

Regulação proporcional ao risco

Materiais obtidos por edição gênica que não carregam DNA exógeno vêm sendo tratados, em diversos países, de forma distinta dos transgênicos, o que reduz tempo e custo de liberação sem abrir mão da biossegurança. Previsibilidade regulatória encurta o caminho do laboratório à fazenda.

“Os organismos com genoma editado não têm sido considerados transgênicos, mas sim convencionais, e não passam por toda a regulamentação de OGM — fator que agiliza a adoção mantendo critérios de segurança”, explica Bianca Vigna.

Propriedade intelectual e inclusão

Modelos de licenciamento devem contemplar pequenos e médios produtores, evitando concentração de benefícios. Parcerias público-privadas e políticas de sementes de qualidade, crédito e assistência técnica são críticas para democratizar o acesso.

Biodiversidade e dependência tecnológica

Sementes resistentes são parte de sistemas produtivos mais amplos: rotação de culturas, manejo do solo, integração lavoura-pecuária-floresta e restauração de paisagens asseguram agricultura resiliente de verdade — do gene ao agroecossistema.

Inovação genética é pilar da adaptação climática e da segurança alimentar

A mensagem para a COP30 é direta: sem sementes resistentes, não há adaptação em escala. Tecnologias como CRISPR, fenotipagem de alta performance e bioinformática/IA já encurtam ciclos de P&D e entregam cultivares que toleram seca, calor e alagamento. Para transformar o ganho científico em impacto de campo, o Brasil precisa alinhar marcos regulatórios modernos, parcerias público-privadas e políticas de acesso — caminho no qual o país tem condições reais de liderança global.

Quer saber mais sobre como as tecnologias e a inovação estão moldando o futuro da adaptação climática e garantindo a segurança alimentar no mundo?

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