Se tem uma tecnologia capaz de ligar o laboratório ao talhão e ao curral, ela atende por bioinformática no agronegócio. Ao integrar dados de DNA, RNA, proteínas e metabólitos com clima, solo e manejo, a bioinformática transforma suposições em decisões, mais precisão, menos custo e ciclos de inovação mais curtos. 

Já ouviu falar deste tema? Siga na leitura para entender, em linguagem direta, como ele já está mudando a agricultura de precisão e a pecuária no Brasil: de genômica vegetal e metagenômica no campo a PGPB (bactérias promotoras de crescimento), sequenciamento genético e melhoramento genético de plantas voltado a resistência a pragas e doenças e fixação biológica de nitrogênio.

O que é bioinformática e por que ela importa no campo

Bioinformática é o uso de ferramentas computacionais para responder perguntas biológicas complexas. Na prática do agro, significa organizar e analisar dados “ômicos” (genoma, transcriptoma, proteoma, metaboloma) e combiná-los com dados de clima, solo, sensores e imagens. 

O resultado disso é um Big Data agrícola ganhando relevância operacional: pipelines que limpam, integram e interpretam informações para orientar o plantio, o manejo e a sanidade, base da biotecnologia no agro aplicada no dia a dia.

“A bioinformática permite que decisões antes guiadas só por observação passem a ser sustentadas por dados ‘ômicos’, modelos computacionais e análises preditivas. Ela aumenta a precisão, reduz custos e acelera processos que levariam anos. Mas a verdadeira contribuição surge ao integrar tradição, ciência e tecnologia: seleção e cruzamento seguem essenciais; a bioinformática potencializa o que já funciona”, afirma Acacio Aparecido Navarrete, pesquisador e professor da pós-graduação em Ciências Ambientais (Universidade Brasil).

Aplicações na lavoura: do gene ao manejo

Na genômica vegetal, a busca por resistência a pragas e doenças e tolerância a estresses (calor, seca, salinidade) ganhou força. Marcadores moleculares e modelos de predição genômica encurtam o caminho entre descoberta e campo, guiando o melhoramento genético de plantas com menos tentativa-e-erro e mais acurácia.

Já a metagenômica no campo abre a caixa-preta do solo e da rizosfera: mapeia comunidades microbianas e identifica consórcios de microrganismos que promovem crescimento, controlam patógenos e otimizam a fixação biológica de nitrogênio. 

É aqui que entram as bactérias promotoras de crescimento (PGPB): ao triarmos genomas e funções (por exemplo, genes ligados à produção de hormônios vegetais ou à solubilização de fósforo), desenhamos bioinsumos mais assertivos para cada ambiente, reduzindo a dependência de fertilizantes e defensivos sintéticos.

“Analisar o microbioma do solo e cruzar isso com Big Data agrícola viabiliza recomendações individualizadas de adubação e bioinsumos. Plataformas já conseguem estimar risco de doença, comparar com bancos de dados e sugerir o consórcio microbiano mais eficaz para aquela lavoura, naquele solo. É ciência aplicável, desde que validada em condições reais”, destaca Acacio.

Bioinformática na pecuária: seleção, sanidade e rastreabilidade

Na pecuária, sequenciamento genético (de painel SNP a genomas completos) acelera a seleção genética de animais com características econômicas relevantes (fertilidade, ganho, eficiência alimentar, qualidade de carcaça, resistência a parasitas). Com dados moleculares integrados a informações fenotípicas e de manejo, aumenta-se a acurácia da avaliação e ganha-se por geração. 

Na sanidade, assinaturas genéticas de patógenos e da resposta do hospedeiro antecipam surtos e embasam protocolos preventivos. E a rastreabilidade genética agrega confiança à cadeia, conectando origem, bem-estar e segurança alimentar.

“O desafio é levar a fronteira da ciência para o cotidiano do produtor: transformar genômica, metagenômica e sensores em ferramentas simples, baratas e robustas, validadas no campo. Isso pede interoperabilidade entre plataformas, modelos de IA testados em ambientes variados e capacitação técnica para interpretar os resultados”, pontua Acacio.

Com as aplicações claras no campo e no curral, vale olhar para o que já está acontecendo no Brasil. Os exemplos a seguir mostram a bioinformática saindo do laboratório e virando resultado.

Casos de sucesso e pesquisas brasileiras

Embrapa: metagenômica no campo e microbioma do solo

Pesquisas nacionais vêm usando metagenômica no campo para mapear quem está no solo (e o que cada microrganismo é capaz de fazer). Ao combinar esses perfis com clima, manejo e imagens, surgem recomendações mais assertivas para adubação e uso de bioinsumos. Na prática, o produtor recebe um “raio-X” do solo e um plano que conecta genômica vegetal, manejo de rizosfera e agricultura de precisão — menos tentativa e erro, mais previsibilidade.

Azospirillum brasilense: fixação biológica de nitrogênio que paga a conta

Entre os exemplos mais didáticos está o Azospirillum brasilense, protagonista em fixação biológica de nitrogênio. A seleção de estirpes, guiada por sequenciamento genético e triagens funcionais, viabilizou inoculantes que reduzem a dependência de N sintético em culturas como milho e trigo. É ciência aplicada: bioinformática identifica o que funciona, a recomendação chega ao talhão, e o melhoramento genético de plantas ganha um aliado microbiano.

PGPB além do N: menos fertilizantes e pesticidas sintéticos

As bactérias promotoras de crescimento (PGPB) já não atuam só no nitrogênio. Triagens de genomas e modelos preditivos ajudam a escolher consórcios capazes de solubilizar fósforo, produzir reguladores de crescimento e antagonizar patógenos, reduzindo o uso de fertilizantes e pesticidas sintéticos. É a biotecnologia no agro orientada por dados: combinações feitas para cada ambiente, com validação em campo, entregando produtividade e resiliência.

Pecuária e genômica: seleção, sanidade e rastreabilidade

Do lado animal, pipelines de sequenciamento genético (de painéis SNP a WGS) encurtam a seleção genética de animais com foco em eficiência alimentar, qualidade de carcaça e resistência a pragas e doenças (parasitas, agentes infecciosos). Ao integrar DNA, fenótipo e manejo, aumenta a acurácia por geração e melhora a rastreabilidade sanitária. Resultado: decisões de reprodução e sanidade mais rápidas, com impacto direto na produtividade e reputação da cadeia.

Esses casos mostram valor comprovado e também apontam o próximo passo: infraestrutura computacional, integração de dados heterogêneos, modelos de IA validados em múltiplos ambientes e capacitação técnica para escalar.

Quais os desafios e como superá-los sem travar a adoção)

Há três principais dificuldades que explicam por que a adoção ainda é desigual:

  • Dados heterogêneos: formatos e escalas diferentes (DNA/RNA/proteínas vs. clima/solo/sensores) exigem padronização e pipelines estáveis.
  • Validação em campo: muitos modelos funcionam no laboratório, mas perdem precisão diante da variabilidade regional; é preciso desenhar estudos multi-safras e multi-ambientes.
  • Custos e pessoas: sequenciamento, sensores e conectividade ainda pesam no CAPEX/OPEX; ao mesmo tempo, faltam profissionais com visão preparada.

No entanto, nada disso é um impeditivo. Projetos pilotos bem delineados, interoperabilidade (para plataformas “conversarem”), governança de dados (ética, propriedade, compartilhamento) e formação de times híbridos fazem a ponte entre a bancada e o pivô.

Sustentabilidade como efeito colateral desejado e mensurável

A boa ciência tende a ser um bom negócio. Ao identificar microrganismos que fixam nitrogênio ou solubilizam fósforo, a bioinformática viabiliza biofertilizantes sob medida; ao prever interações planta-microrganismo, otimiza consórcios e reduz fertilizantes químicos sem derrubar produtividade. 

Na proteção vegetal, GWAS e QTLs encurtam o ciclo para materiais com resistência a pragas e doenças mais duráveis; no rebanho, marcadores ligados à imunocompetência permitem sanidade mais preventiva. É a produtividade com biotecnologia no agro alinhada a metas ambientais — menos uso de insumos, menos emissões por tonelada produzida e mais agricultura de precisão orientando cada decisão.

“A bioinformática já é pilar da biotecnologia sustentável. Usamos modelagem metabólica para prever rotas microbianas, algoritmos para montar consórcios sintéticos e edição genética para otimizar vias. No nosso grupo, estudamos leveduras do solo com potencial de produzir AIA e solubilizar fosfato em alface; e avançamos numa tese que usa bioinformática para prospectar genes e clusters biossintéticos (incluindo CAZymes) em leveduras de florestas tropicais”, conta Acacio.

O que vem a seguir: integração total e decisões em tempo real

A tendência é clara: Big Data agrícola consolidando informações “ômicas”, clima, imagens e sensores em painéis de decisão que conversam com máquinas, irrigação e aplicações de biotecnologia no agro. Isso significa prescrição de bioinsumos por ambiente, agricultura de precisão com granularidade microbiológica, sequenciamento genético mais barato e difundido, além de IA explicável ajudando técnicos e produtores a confiar no que o modelo recomenda.

No curto prazo, podemos esperar:

  • Mais PGPB e inoculantes desenhados por triagem genômica;
  • Cultivares resilientes desenvolvidas com predição genômica;
  • Protocolos de saúde animal pautados por painéis moleculares;
  • Plataformas interoperáveis, com dados portáveis e governança clara.

Conclusão: quando dado vira decisão, o campo ganha

Bioinformática no agronegócio não é moda de laboratório; é o motor silencioso que está encurtando a distância entre descoberta e resultado. Ao juntar genômica vegetal, metagenômica no campo, PGPB, sequenciamento genético e agricultura de precisão em rotinas compreensíveis, o produtor decide melhor, reduz custos e acelera inovação — com sustentabilidade mensurável no caminho. E isso só acontece quando ciência e tradição andam juntas, como lembra Acacio: dados que respeitam o campo, e campo que puxa a ciência para resolver o que importa.

Descubra qual o próximo passo da genética de precisão: veja como CRISPR, fenotipagem e IA estão acelerando o desenvolvimento de sementes resistentes. Leia o artigo completo na Agrishow Digital!