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Sucessão familiar: agora meus filhos mandam, eu obedeço, e... todos perdem

Article-Sucessão familiar: agora meus filhos mandam, eu obedeço, e... todos perdem

Desafios da sucessão familiar no campo
Citando os principais desafios do processo sucessório no campo, o colunista Hugo Monteiro da Cunha Cardoso destaca a importância de se buscar uma gestão que combine a visão e proposta das novas gerações com os valores e lições de seus antecessores

Dentro de um processo sucessório, é preciso compreender que cada empresa, família e indivíduo são universos únicos, com valores, demandas e particularidades igualmente únicas. Não há uma fórmula ou receita pronta. É preciso encontrar o seu modelo ideal.

Uma coisa é certa: para a empresa familiar andar bem, a família tem que estar bem. Para isso, é fundamental a criação de regras e mecanismos que atuem na preservação da harmonia da família, resolvendo alguns possíveis pontos de conflito futuros, mas sem deixar de lado o respeito aos anseios individuais de cada membro. Não é uma tarefa fácil e exige muita comunicação. Comunicação, essa, organizada para se fazer eficaz.

Hoje, vamos pensar em um indivíduo que criou o negócio, viveu a fazenda intensamente e está por muitos anos sentindo a boa e inegável sensação de poder. Em certo momento, esse indivíduo percebeu que o negócio precisava continuar além dele e que, para isso, precisaria “passar o bastão” para um filho ou filha.

Nesses casos, é comum a sensação de “hierarquia invertida”, ou seja, “agora o meu filho(a) manda e eu só obedeço”. Seguindo isso à risca, o INDIVÍDUO “pai/mãe” perderia poder, sentindo-se menos útil. Já os filhos poderiam se sentir abandonados e pouco eficientes. E quais os maiores prejudicados? A FAMÍLIA, com o desgaste da relação entre os membros envolvidos no processo e a EMPRESA, que fica totalmente bagunçada.

"(...) é preciso preparar-se para esses novos desafios, visto que o ganho da inclusão dessas novas gerações é muito maior do que essa perda da facilidade das decisões unilaterais."

Na prática, é ainda mais complicado. Porque ninguém larga totalmente um negócio da noite para o dia. E é aí que estão os maiores atritos na passagem da gestão dos pais para os filhos.

Estes atritos geralmente são ocasionados por interferências na gestão, ou seja, pais e filhos tomando decisões diferentes, passando ideias divergentes aos colaboradores ou até, em alguns casos, aqueles pais que, formalmente, passam a gestão aos filhos, mas, na prática, seguem totalmente à frente do negócio, dando a última palavra sem que o papel de cada um esteja bem definido e regrado.

Vejamos pela ótica dos pais. Quanto menos pessoas dentro do negócio, mais rápidas e fáceis são as decisões. Logo, a cada nova geração mais complexa fica a gestão. Todavia, é preciso preparar-se para esses novos desafios, visto que o ganho da inclusão dessas novas gerações é muito maior do que essa perda da facilidade das decisões unilaterais.

A transição na gestão exige uma comunicação e um compartilhamento de ideias muito maiores e não deve representar a perda de poder dos pais e, sim, uma mudança de papéis, passando da gestão do dia a dia do negócio para uma função mais estratégica, atuando como conselheiros, por exemplo.

"(...) é essencial achar um meio termo, uma estrutura em que ambas as gerações contribuam para o negócio, sem que a anterior se retire totalmente, mas onde a gestão seja, de fato, confiada à nova geração."

O negócio precisa de sucessores, que, evidentemente, contribuirão com novas ideias e modelos próprios de gestão, mas também precisa manter os valores e contar com conhecimento e vivência prática das gerações anteriores.

Por isso, é essencial achar um meio termo, uma estrutura em que ambas as gerações contribuam para o negócio, sem que a anterior se retire totalmente, mas onde a gestão seja, de fato, confiada à nova geração.

Há mais chance de êxito quando essa mudança de papéis é feita de forma gradativa, pois aos poucos os sucessores vão comprovando a sua capacidade de gestão e ganhando a confiança dos sucedidos, que podem assumir o novo papel com mais tranquilidade.

Em caso de uma tentativa de passagem total e imediata para os filhos, o risco de atritos ocasionados por interferências e ruídos de comunicação é elevado, visto que tanto os pais quanto os filhos, e até os próprios colaboradores geralmente precisam de um tempo de amadurecimento para então visualizarem com clareza o novo modelo de gestão e até onde vai o papel de cada um.

O grande desafio é promover um ambiente em que haja comunicação clara e transparente com um número maior de pessoas envolvidas sem que as decisões importantes se tornem mais lentas, ou seja, ouvir e comunicar a todos sem engessar o negócio.

A meu ver, a chave está na implementação de órgãos de governança que, quando bem estruturados, ajudam a tornar essa comunicação eficaz, sendo cada assunto resolvido dentro da sua respectiva agenda e no momento adequado.

O termo “órgãos de governança” pode soar como algo um pouco distante da realidade do produtor rural, sendo imaginado como válido apenas para grandes grupos empresariais.

No entanto, esse pensamento é um erro grave, visto que a profissionalização do negócio, ou seja, a visualização da atividade rural como uma empresa como todas as outras, é a chave para o sucesso das novas gerações.

A implementação da governança tem grande contribuição nessa organização e nova visão empresarial, podendo ser percebida como algo simples, apenas com a inclusão do hábito da realização de reuniões periódicas, organizadas por temas específicos e com participantes diferentes em cada uma delas.

Além de minimizar os atritos causados pelas interferências na gestão, essa implementação contribui com algo primordial para a profissionalização da empresa familiar, a separação de três âmbitos que muitas vezes se confundem: FAMÍLIAPATRIMÔNIO NEGÓCIO.

Há momentos e pessoas certas para tratar de assuntos de família, que podem ser diferentes para deliberações sobre o patrimônio, bem como para assuntos da gestão do negócio.

Além disso, nem todos os membros da família estarão trabalhando na empresa, ou seja, ser familiar não garante a participação no negócio. Sendo membro da família, o que está garantido de direito é a herança no patrimônio.

Logo, fazendo essa distinção entre sucessor e herdeiro, consegue-se iniciar uma definição de papéis e remunerações. Quem está atuando no negócio recebe pelo trabalho executado de acordo com a função. Quem é dono do patrimônio, herdeiro, recebe por ser sócio e participa das decisões pertinentes aos sócios.

E quem está apenas no âmbito da família? Também não pode ser negligenciado. Deve-se favorecer um ambiente de comunicação e apresentação de resultados para que esses membros se sintam pertencentes ao negócio da família e tenham o interesse, futuramente, de ingressar no negócio, desde que respeitando as condições de entrada previamente estabelecidas.

Ressalvo, claro, que é sempre bom ter membros da própria família gerindo os negócios. Mas, na falta de sucessores preparados e/ou interessados, havendo profissionalização, existindo uma empresa de fato, é possível, por exemplo, que os herdeiros sigam as suas atividades diversas fora do negócio rural, contratando um gestor independente e recebendo lucros do negócio por serem sócios.

Cada empresa familiar demanda uma estrutura distinta de governança, com maior ou menor complexidade. Para auxiliar na contextualização com a prática, finalizo com um exemplo de estrutura útil e simples para os exemplos abordados:

Comitê/conselho gestor: Reuniões que demandam uma periodicidade maior, no mínimo mensais, para decisões táticas, do dia a dia, com os sucessores da gestão e alguns colaboradores-chave.

Reunião de sócios: Reuniões com uma periodicidade menor, trimestrais ou semestrais, ou até por convocação extraordinária, para decisões mais estratégicas, como por exemplo a venda de terras ou expansão, e para a validação de decisões tomadas pelo comitê gestor, com a participação dos sócios e os pais atuando como conselheiros.

Fórum familiar: Reunião anual para apresentação e fechamento do ano, que serve para estimular a transparência, comunicação, perpetuação dos valores, e que também facilita a entrada de futuros membros no negócio, com a presença de todos os membros da família.

Hugo Monteiro da Cunha Cardoso é consultor tributário e de empresas familiares no agro, professor de Gestão Rural, Direito e Planejamento Tributário e autor do livro “Guia da Gestão Rural” pela editora Atlas. Instagram: @hugomonteirodacunha

Gostou do conteúdo? Veja também algumas dicas para entender se a estratégia de marketing do seu negócio está dando certo!

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