O texto da coluna desse mês é uma reflexão positiva sobre a evolução do nosso setor nos últimos anos. Traz percepções e sentimentos pessoais, construídos através de vivências práticas. Uma espécie de carta ao agronegócio em geral, mas dedicada especialmente a quem está dentro da porteira.
O meu propósito, seja nesse espaço, no livro, em aulas, palestras ou consultorias, é tentar contribuir para um ambiente de maior profissionalização no meio rural. Quero que todo produtor se veja como um empresário e evolua na gestão, para que o seu negócio cresça de uma forma mais segura e sustentável, geração após geração. E me orgulho ao olhar para o passado e perceber que estamos muito mais perto dessa realidade do que estávamos há alguns anos.
Quando falo sobre a necessidade de uma maior profissionalização, não quero dizer que se tem algo errado para consertar. Trata-se de evolução. Adaptar-se às novas demandas da sociedade e de mercado. Para se manter o sucesso, não basta replicar o que se fez no passado. O mundo era outro, assim como as pessoas, o governo, as necessidades individuais, as preocupações, anseios, os costumes, a tecnologia, taxa de natalidade, expectativa de vida etc. Logo, o que se fez era apenas uma variável entre tantas outras presentes nessa equação.
Quando falo sobre a necessidade de uma maior profissionalização, não quero dizer que se tem algo errado para consertar. Trata-se de evolução. Adaptar-se às novas demandas da sociedade e de mercado. Para se manter o sucesso, não basta replicar o que se fez no passado.
Ressalvo que sempre existiram, em todas as épocas, produtores e produtoras acima da média, ou “a frente do seu tempo”. O relato a seguir trata, justamente, do que acontecia na média das propriedades rurais. De toda sorte, não há crítica. Apenas uma constatação, pois o mundo era outro.
Lá atrás, o termo “governança” parecia algo muito distante. Ao invés da transparência e comunicação, as relações eram muito mais baseadas no poder, afinidade e confiança. Se abaladas, o caminho era separar e começar novamente cada um o seu próprio negócio. Mas, geralmente, havia respeito às decisões tomadas, ou pouco interesse dos familiares fora do negócio em saber o que estava acontecendo por lá. E a comunicação com os usuários externos interessados nas informações? Restringiam-se ao preenchimento de papeladas, burocracias. Se prestava contas ao governo, basicamente.
O controle financeiro, em geral, resumia-se aos cadernos, extratos bancários, talões de produtor e canhotos do talão de cheques. Checava-se no extrato bancário se as notas de venda foram recebidas e se os cheques foram descontados.
Na parte tributária, a preocupação principal era enviar os documentos para o contador elaborar a declaração de imposto de renda dentro do prazo. Se tinha mais vendas no talão de produtor do que saídas no canhoto do talão de cheques, para não pagar muito imposto, se tentava fazer mais algum investimento ou então correr atrás de notas de despesas perdidas ou não emitidas. Sim, em muitos casos os fornecedores só emitiam nota se o cliente solicitasse.
A figura da mulher era fundamental, porém estava muito mais ligada à manutenção da harmonia familiar e ao “auxílio” no escritório. A sucessão da gestão era, predominantemente, masculina. Os jovens iam morar na cidade: tinham que estudar “para não passar pelos mesmos problemas que os pais passaram no campo”. Diante dessa afirmação, a chance de não voltarem, lógico, era enorme.
Assim, o problema da sucessão era: quem vai assumir esse negócio? E a pergunta geralmente surgia quando a hora da partida estava se aproximando.
Hoje, já estamos falando em boas práticas de ESG. As informações prestadas aos usuários externos não são mais apenas burocráticas: são diferenciais competitivos e podem contribuir com o aumento de resultado em um futuro muito próximo. O grande desafio é valorizar as ações sociais e ambientais, além das econômicas. Internamente, se não existem órgãos de governança formalizados, ao menos já se tem um interesse mútuo na comunicação entre quem está dentro da porteira e os familiares que estão fora. Quem está a frente quer ter o trabalho reconhecido pelos demais e quem está fora quer saber como andam as coisas.
O mercado oferece inúmeros softwares de gestão específicos para a atividade rural, basta escolher o que melhor se encaixa, alimentar corretamente os dados e aprender a interpretar os relatórios. Dificilmente o produtor não tem ao menos um fluxo de caixa em um deles ou em uma planilha de Excel.
Com as margens caindo gradativamente, cada vez mais o custo de produção e o planejamento tributário devem ser acompanhados de perto. Entregar os documentos no prazo, agora, é obrigação. O ideal é enviar mensalmente ao contador, para se ter informações confiáveis. O produtor sabe que existem saídas legais que podem reduzir a carga tributária e que um equívoco pode trazer danos graves em uma autuação fiscal. Por isso, busca conhecimento sobre o tema e discute com os contadores novas estratégias para tomar decisões de forma mais segura.
Por que tamanha evolução? São vários os fatores. Não quero ser injusto com ninguém, todos os envolvidos possuem a sua grande parcela de mérito. Porém, destaco aqui o que, para mim, é a grande mudança positiva. As mulheres assumiram o merecido protagonismo na atividade e, juntamente com os jovens, vão implementando novas ideias, fugindo do “eu sempre fiz assim e deu certo”.
O mundo muda, é cíclico. A predominância masculina nos negócios abriu a brecha (ou a porteira) para o ciclo de sucesso das mulheres. Ninguém precisou dar espaço. Elas conquistaram por puro merecimento. Debater a importância de novas técnicas de gestão com quem está, historicamente, “dentro” da atividade pode soar como “tentar ensinar a fazer o que já se sabe” ou “bobagens de quem não entende a realidade do campo”. Há uma maior tendência à resistência. É assim em qualquer empresa, de todos os ramos. É impossível encontrar um resultado diferente onde todos os envolvidos pensam e veem o mundo da mesma forma. Já quem está “chegando agora”, ou vendo de fora, observa as possibilidades sem preconceitos e livre de paradigmas. Pessoas abertas a novas ideias, aprimoram as competências que já têm, desenvolvem novas com mais facilidade e favorecem o ambiente de inovação.
Por falar em competências, um estudo de 2016 do psicólogo americano Daniel Goleman, autor da obra “Inteligência Emocional”, já demonstrava que, no quesito liderança, as mulheres reúnem mais características essenciais para a função do que os homens. Aspectos como o autoconhecimento emocional, empatia, otimismo, gestão de conflito, entendimento organizacional, adaptabilidade, trabalho em equipe, capacidade de influência, liderança inspiradora e humildade predominam no universo feminino.
Em um mundo globalizado, com a evolução da tecnologia, que encurta distâncias e rompe fronteiras geográficas, as variáveis foram (e ainda estão) mudando com uma velocidade absurda. Com novas – e cada vez mais rápidas – demandas de mercado, sociais e ambientais, é preciso acelerar para um novo modelo de gestão. E ainda bem que as mulheres assumem a frente, como a chave para a resolução da equação. Elas humanizam, inspiram, e dão cara a esse novo agronegócio, com muito profissionalismo, amor e dedicação.
Com novas – e cada vez mais rápidas – demandas de mercado, sociais e ambientais, é preciso acelerar para um novo modelo de gestão. E ainda bem que as mulheres assumem a frente, como a chave para a resolução da equação. Elas humanizam, inspiram, e dão cara a esse novo agronegócio, com muito profissionalismo, amor e dedicação.
Também são firmes quando precisam ser, como no combate à desinformação sobre o setor, propagada de forma irresponsável. A adaptação é uma característica importante, mas quanto a algumas variáveis, também deve-se resistir. Aproveitar a capacidade de influência, com empatia e humildade, pode ser um bom caminho para a reversão de questões puramente ideológicas.
Mas e o problema da sucessão? Claro que ainda existe e sempre vai existir. Não é fácil e nem tem receita pronta. Não poderia ser diferente: cada família, empresa e indivíduo são únicos!
No entanto, essa nova realidade, carregada pelas mulheres e jovens, faz com que, em muitas fazendas, as dúvidas tenham até aumentado. Mas trata-se daquela “dor de cabeça boa”: qual dos filhos vai assumir a gestão? É possível fazer uma boa gestão compartilhada? Como definir o papel de cada um dentro da propriedade?
E essas perguntas surgem cada vez mais cedo, proporcionando uma maior absorção dos valores e troca de ideias entre as gerações.
Ainda há o que melhorar? Claro, como em tudo na vida. Mas estamos no caminho certo, não tenho dúvidas.
Um passinho de cada vez, vamos ficando mais preparados para os novos desafios que ainda virão.
Hugo Monteiro da Cunha Cardoso é consultor tributário e de empresas familiares no agro, professor de Gestão Rural, Direito e Planejamento Tributário e autor do livro “Guia da Gestão Rural” pela editora Atlas. Instagram: @hugomonteirodacunha
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