Planejar a parte tributária de um negócio é achar uma estratégia baseada em uma lei, omissão ou brecha legal que otimize a carga tributária, seja reduzindo ou adiando o momento do pagamento. Dentro de um sistema tributário complexo, torna-se uma grande vantagem competitiva, senão uma necessidade para sobrevivência das empresas.
Sabemos que a livre iniciativa econômica é um dos princípios que regem a atividade do planejamento tributário. Logo, o contribuinte é livre para encontrar a melhor estrutura para o seu negócio ou operação. No entanto, a liberdade de cada um termina quando começa a do outro: assim como o contribuinte é livre para escolher a melhor forma de tributação, o fisco é livre para tentar desconsiderá-la.
É preciso compreender que não existe nenhuma economia lícita se o foco for meramente a redução de tributos. Também não é planejamento tributário válido aquele elaborado após o fato consumado. Esses são limites objetivos, de visualização mais fácil.
Quando trato do tema, costumo dizer que “ninguém é obrigado a pagar mais impostos do que a lei determina, desde que sejam respeitados os princípios da boa-fé”. Em outras palavras, não basta respeitar ou não ferir nenhuma lei. É no quesito da boa-fé que entram os limites mais complexos, subjetivos.
De uma forma muito simples, podemos dizer que não existe planejamento tributário válido quando uma operação é declarada/informada aos órgãos afins de uma forma diversa do que realmente ocorreu, sejam estes as receitas federal, estadual e municipal, bancos, cartórios, credores, dentre outros.
Isso vale tanto para operações eventuais, como compras, vendas e doações de bens, quanto para a forma de estruturação de um grupo empresarial, por exemplo. Os contratos dessas operações pontuais devem espelhar a vontade real entre as partes, assim como os contatos sociais/estatutos das empresas precisam estar de acordo com o que elas realmente executam.
Ainda complexo? Veremos então 5 situações práticas, que podem ocorrer no dia a dia do produtor, para auxiliar na compreensão.
Afinal, é ou não é um planejamento tributário válido?
1. Vender uma fazenda e só após a concretização do negócio planejar o imposto devido
Resposta: NÃO É PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO
Essa hipótese já fere de cara um limite objetivo. Ocorrido o fato gerador, ou seja, já realizado o negócio, qualquer estratégia que reduza tributos tem grande possibilidade de caracterizar uma “simulação”.
Solução:
Existem muitas formas de realização de um negócio. Elementos como a data do recebimento dos valores, pagamentos em produto ou dinheiro, dação em pagamento, se haverá permuta com ou sem torna, se possui benfeitorias ou apenas terra nua são fatores que impactam na tributação. Até a data de aquisição do imóvel pode ser determinante, visto que existem reduções legais e possibilidade de tributação do ganho de capital com base nos valores informados para o VTN na declaração de ITR.
Portanto, quando surgir a intenção de venda ou uma oportunidade de mercado, o ideal é procurar entender as possibilidades, bem como a carga tributária e os riscos envolvidos em cada uma delas. Decidida a forma que será feito o negócio, elabora-se o contrato respeitando a real vontade das partes envolvidas.
2. Comprar um imóvel e ligar para o contador/advogado para saber por quanto efetuar a escritura, baseando-se no caixa fiscal
Resposta: NÃO É PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO
Analisar o caixa fiscal de uma declaração de imposto de renda antes de transmiti-la ao fisco é essencial para a segurança do negócio. Uma declaração com caixa negativo é um indicativo de equívocos de lançamento ou omissão de informações que podem trazer multas pesadas em uma possível autuação fiscal. Logo, essa análise faz parte da gestão tributária. No entanto, o caixa disponível não pode ser a base para o que será informado na escritura. O valor a constar deve ser a movimentação que realmente ocorreu. Se não há caixa suficiente para informar um imóvel adquirido na declaração, é porque houve algum equívoco ou omissão de alguma informação.
Portanto, “combinar” o valor a ser informado na escritura configura uma simulação, pois consiste em mascarar um negócio informando algo diferente do que realmente foi acertado entre as partes.
Solução:
O contrato de compra do imóvel deve sempre refletir a realidade da negociação. Além disso, o momento em que se deve declarar a aquisição de um imóvel é na assinatura do contrato e não na confecção da escritura, que geralmente ocorre após a finalização dos pagamentos. Não declarar os pagamentos no momento que ocorreram e informar apenas na data da escritura fará com que falte origem fiscal, visto que haverá um aumento de patrimônio concentrado dentro de um único ano, quando na verdade as saídas foram ocorrendo com origem gerada em anos anteriores.
Quanto à necessidade ou “sobra” de caixa, a análise da disponibilidade fiscal da declaração deve ser utilizada como um validador do que está sendo informado, e não como base para realização de negócios.
3. Fechar a declaração de imposto de renda em março/abril e buscar estratégias para redução de imposto na atividade rural
Resposta: NÃO É PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO
A declaração de imposto de renda das pessoas físicas é transmitida no ano seguinte ao fato gerador. Isto significa que, em 2023, o produtor irá declarar tudo o que ocorreu de janeiro a dezembro de 2022. Logo, virando o ano, não há nada a ser planejado para redução de imposto.
Embora as possibilidades de planejamento tributário tenham se esgotado, ainda existem algumas opções tributárias que são feitas dentro da própria declaração que podem refletir em uma maior ou menor carga tributária mesmo após o encerramento do ano. São elas: desconto completo ou simplificado; tributação da atividade por resultado (receitas – despesas) ou resultado presumido (20% da receita bruta); tributação dos rendimentos comuns dos cônjuges em conjunto ou separadas.
Solução:
Uma boa gestão tributária, com acompanhamento mensal ou trimestral dos números junto ao contador, possibilita visualizar o quanto está se pagando de imposto em determinado momento e tomar decisões que reduzam a carga tributária dentro do próprio ano, como, por exemplo, a compra de máquinas, equipamentos, insumos e adiantamento de vendas para clientes.
Ainda, esse acompanhamento permite o fechamento dos números para imposto de renda mais cedo, possibilitando a utilização do primeiro trimestre para revisão da qualidade das informações. Com isso, além de uma maior segurança, pode-se obter uma redução do imposto a pagar em caso de alguma informação estar equivocadamente aumentando o resultado da atividade.
4. Criar uma empresa porque um vizinho fez e deu uma grande economia tributária, replicando (o pouco que se sabe sobre) aquele planejamento realizado
Resposta: DIFICILMENTE SERÁ PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO
Uma das premissas do planejamento tributário poderia ser a de que não existem fórmulas prontas. Cada empreendimento terá a estrutura tributária pensada de acordo com suas particularidades. O grande risco dessa réplica de algo pronto é a falta de compreensão do propósito, que pode fazer com que a empresa não cumpra alguns requisitos importantes para um planejamento válido.
A empresa não pode ser um documento em uma gaveta, precisa ter vida própria, funcionários, pró-labore, estrutura operacional, contador e tudo mais que seja necessário para produzir. Além disso, há grandes chances dessa carga tributária elevar ao invés de reduzir, visto que não se sabe tudo sobre o que foi construído no vizinho e nem o porquê.
Solução:
Levar em consideração a realidade do seu negócio e ter um propósito maior na criação da empresa além da redução de impostos. Toda empresa precisa ter uma razão extrafiscal para existir, dentre elas a profissionalização, segregação de atividades (e não a simples segregação de receitas), organização patrimonial e cláusulas que reduzam a possibilidade de conflitos futuros.
Também deve ser levada em conta a complexidade do negócio e a estrutura operacional. A operação em um CNPJ força a aceleração do nível de profissionalização, o que pode ser ótimo. Mas o negócio está preparado para esse passo? Talvez ainda haja o que organizar dentro das próprias pessoas físicas, aproveitando o tratamento diferenciado e simplificado que a legislação assegura.
5. Utilizar-se de um meio distinto para determinado fim que resulte em uma economia tributária
Resposta: PODE SER UM PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO VÁLIDO
Essa, de certa forma, pode ser vista com surpresa. No entanto, trata-se de um negócio jurídico indireto, o que nem sempre será invalidado. Pensado antes do fato gerador, ou seja, da concretização do negócio, poderá ser um planejamento válido.
Exemplo: Um produtor vai vender um imóvel que pertence a uma pessoa jurídica. Antes da venda ele tenta entender as possibilidades tributárias e percebe que pagará mais imposto do que ele pagaria se aquele imóvel ainda pertencesse a pessoa física. A legislação permite a “redução de capital”, possibilitando que o bem volte para a pessoa física dos sócios. Após as formalidades legais, o imóvel já pertencendo às pessoas físicas, ele vende e consegue uma economia tributária em comparação ao que pagaria na estrutura anterior.
É planejamento? Pode ser, desde que não extrapole os limites da boa-fé. Há decisões favoráveis aos contribuintes nessa situação, que, claro, exige muita cautela.
Veremos outra operação indireta: o produtor possui um imóvel na pessoa física e vai efetuar a venda. Entende que a carga tributária envolvida inviabiliza o negócio. Logo, propõe uma sociedade ao comprador, onde um entra com o imóvel e o outro com o dinheiro para a formação do capital da nova empresa. Futuramente, o produtor se retira da empresa levando o dinheiro e o “comprador” fica com a terra.
É planejamento? Não, é simulação. Eu não uso um meio distinto para chegar ao fim, assim como no exemplo anterior? Não. Nesse caso, o meio utilizado foi a criação de uma empresa que não existia de fato. O que houve foi uma máscara de uma operação de compra e venda para uma sociedade “de fachada”. Logo, houve o abuso da tal boa-fé. Inclusive, essa situação, que ficou conhecida como “casa-separa”, é objeto do plano de fiscalização da Receita Federal há alguns anos.
Notem que há uma linha muito tênue entre o que é um planejamento tributário legal e o que não é. Portanto, na elaboração ou adesão a um projeto, deve-se levar em conta, além do benefício tributário, os potenciais riscos envolvidos. Antes de executar a ideia, vale acompanhar os atuais entendimentos da receita federal em relação a operações semelhantes. A segurança jurídica também é um dos princípios que regem o planejamento tributário, talvez o principal. Mas a verdade é que, na prática, não existe planejamento tributário 100% seguro em nosso sistema atual.
Hugo Monteiro da Cunha Cardoso é consultor tributário e de empresas familiares no agro, professor de Gestão Rural, Direito e Planejamento Tributário e autor do livro “Guia da Gestão Rural” pela editora Atlas. Instagram: @hugomonteirodacunha
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