Com o avanço da inadimplência no campo, a renegociação das dívidas voltou ao centro das preocupações dos produtores rurais. No segundo trimestre de 2025, o índice de atrasos acima de 180 dias subiu 8,1%, o maior nível desde 2011, segundo dados inéditos da Serasa Experian. O salto reflete a combinação de juros elevados, custos de produção mais altos, margens apertadas e uma sucessão de adversidades climáticas e de mercado que pressionam a renda no campo.
Para especialistas, o cenário revela um ciclo de endividamento que tende a se agravar, sobretudo entre agricultores que dependem fortemente do crédito rural para manter as operações. É justamente nesse momento, quando o caixa aperta e o risco de execução aumenta, que a renegociação se torna vital para a saúde financeira da propriedade. Mas surge a dúvida: o que fazer quando o banco nega o pedido?
Pedido antes do vencimento
Segundo o advogado do agronegócio Pedro Henrique Oliveira Santos, especialista em dívidas rurais, o primeiro passo é antecipar o problema. O pedido administrativo de renegociação deve ser formalizado antes do vencimento da parcela, preferencialmente com ao menos 15 dias de antecedência.
“Quando o produtor tem ciência de que haverá quebra de safra ou redução de receita que inviabilize o pagamento, ele precisa agir rápido”, orienta Santos.
Quando o banco diz não
Se o banco negar a renegociação, o produtor não fica desamparado. De acordo com o advogado, é possível recorrer ao Judiciário para solicitar a prorrogação ou o alongamento da dívida, mecanismos que ajustam o cronograma de pagamento sem aumento de juros ou do valor final. “É um direito do produtor rural. A prorrogação é feita com base na sua capacidade real de pagamento e na natureza da atividade, e não em seu patrimônio imobilizado”, explica.
A advogada Beatriz Alves, também especialista em endividamento rural, reforça que a via judicial, quando necessária, protege o produtor durante todo o processo. “Com o pedido de prorrogação na Justiça, o agricultor mantém o nome limpo e tem as restrições retiradas até o encerramento da ação”, afirma.
Renegociar para recomeçar
A força da renegociação judicial como caminho para o reequilíbrio financeiro do produtor rural ficou evidente em Anicuns (GO). Ali, uma pecuarista com três décadas dedicadas à produção de leite conseguiu virar o jogo após anos enfrentando um ciclo de endividamento que parecia não ter fim.
Com o apoio de assessoria jurídica, ela comprovou à Justiça que sua capacidade de pagamento havia sido profundamente afetada pela queda no preço do leite a partir de 2020, um período em que muitos produtores viram o lucro desaparecer.
O reconhecimento dessa realidade garantiu à trabalhadora o direito de prorrogar suas dívidas rurais e ganhar o fôlego necessário para reorganizar sua atividade. “Com auxílio jurídico, ela conquistou o direito de prorrogar suas dívidas rurais, podendo assim se reestruturar financeiramente”, destaca Pedro Henrique.

Segundo especialistas, decisões desse tipo encontram respaldo na própria lógica do crédito rural, criado para estimular a atividade agropecuária e assegurar a função social da propriedade.
“A legislação reconhece que o produtor trabalha em um ambiente de alta vulnerabilidade e, por isso, conta com regras diferenciadas, pensadas especificamente para esse público”, explica Beatriz. “É por isso que o crédito rural não pode ser tratado como um financiamento bancário comum.”
Atenção às novas regras
Além da pressão financeira, o produtor precisa acompanhar as mudanças regulatórias que impactam a renegociação. A Medida Provisória nº 1.314/2025 abriu caminho para que bancos usem superávit financeiro e recursos livres para ofertar linhas destinadas à liquidação e amortização de dívidas de produtores afetados por eventos adversos.
Apesar disso, as novas normas trazem pontos de alerta. “Com a MP 1.314, passou a ser exigida a alienação fiduciária da fazenda do produtor para acessar algumas modalidades de renegociação. Isso significa transferir a propriedade para o banco como garantia. Se houver novo problema financeiro, o risco de perder a área é real”, alerta Pedro Henrique.
Acompanhamento jurídico é fundamental
Diante das novas exigências e das particularidades de cada linha de crédito, os especialistas reforçam a importância da orientação técnica.“A renegociação feita de forma incorreta pode aumentar o risco patrimonial. Por isso, o ideal é que o produtor esteja sempre acompanhado de uma assessoria jurídica especializada”, conclui Beatriz.