A busca por alternativas sustentáveis aos combustíveis fósseis é uma das questões mais urgentes do nosso tempo. Por isso, a busca por novos biocombustíveis ganha importância.
Eles surgem como uma alternativa promissora aos combustíveis fósseis, contribuindo para a redução das emissões de gases do efeito estufa e a diversificação da matriz energética.
E, dentre as muitas opções, a palmeira macaúba é estratégica e se destaca.
Estudos do Instituto Agronômico (IAC-Apta), que há 18 anos se dedica à realização de pesquisas relacionadas à macaúba, demonstram isso.
Para entender o papel dessa palmeira como fonte de energia, a Agrishow Digital conversou com Carlos Augusto Colombo, pesquisador do Instituto Agronômico (IAC), ligado à Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo.
Biocombustíveis de macaúba: por que é uma alternativa?
A problemática dos combustíveis fósseis voltou aos holofotes durante a 28ª Conferência das Nações Unidas Sobre Mudanças Climáticas (COP28).
A verdade é que está mais do que na hora de falar sobre a transição energética no Brasil e no mundo. E, os biocombustíveis desempenham um papel crucial, com destaque para o etanol, biodiesel e biogás.
A cada 100 litros de diesel brasileiro, 14 são de biodiesel! Pode até parecer pouco, mas é um mercado de quase 9 bilhões de litros de combustível/ano.
Por que a Macaúba é também uma boa opção?
Para Carlos Colombo, o momento atual da macaúba é espetacular. “Grandes grupos econômicos do mercado de óleo entendem a palmeira como estratégica e se movimentam em direção ao plantio escalonado e fortalecimento da cadeia de produção”.
O pesquisador explica também que a macaúba (Acrocomia aculeata) é uma árvore nativa que ocorre em cinco biomas: Cerrado, Mata Atlântica, Amazônia, Pantanal e Semiárido. “Isso credencia a macaúba a ser cultivada em todos esses ambientes”, diz.
Inclusive, já existe zoneamento agrícola de risco climático (Zarc) para a macaúba, confirmando esse raciocínio.
Da mesma forma, essa é uma espécie oleaginosa que produz:
- Dois tipos de óleo de altíssima qualidade, um rico em ácido palmítico e outro em ácido oleico;
- Duas tortas, uma rica em fibras alimentares e outra rica em proteína.
Por fim, Colombo destaca que essa é uma espécie de pleno sol, comumente encontrada em áreas abertas, como pastos.
“Seu sistema radicular é profundo o suficiente para ser cultivado de forma integrada com outras culturas, principalmente combinada com áreas de pastagens, caracterizando um segundo andar de produção”.
Em outras palavras, diferentemente de qualquer outra oleaginosa, não haveria necessidade de abrir novas fronteiras agrícolas para atender a demanda gigantesca.
O consumo destacado na “Lei de biodiesel no Brasil” é da ordem de 8,5 bilhões de litros/ano.
Isso corresponderia a 3,5 milhões de hectares de área de pasto cultivada com macaúba, ou seja, perto de 5% de toda a área de pastagens que temos no país.
O que é a macaúba?
No tópico anterior, você viu detalhes sobre as possibilidades da macaúba como biocombustível. Mas você sabe o que, de fato, é essa palmeira?
A espécie Acrocomia aculeata surgiu há 20 milhões de anos, mas o período mais importante da sua existência se deu de 3 a 1 milhão de anos.
Veja algumas das suas características:
- Planta: estipe único, com presença de espinhos na região dos nós coberto pela base dos pecíolos remanescentes;
- Folhas: são pinadas e dão um aspecto plumoso à copa. Inclusive, o nome Acrocomia significa “copa em cabeleira”, formato típico da espécie.
- Frutos: são esféricos do tipo drupa, com uma semente (amêndoa) revestida por uma parede bastante dura chamada de endocarpo. O tamanho do fruto varia de 3 a 7 cm e apresenta quatro partes, casca, polpa, endocarpo e amêndoa.
- Conteúdo de óleo: é encontrado na sua maioria na polpa (tipo oleico). Já o segundo tipo vem da amêndoa (palmítico);
- Inflorescências: pendentes, de cor amarela, protegidas por uma espata. O florescimento ocorre no período das chuvas, normalmente, de outubro a fevereiro.
“Não é incomum encontrarmos na natureza plantas produzindo de 150 a 200 kg de frutos com teor de 50% de óleo na polpa, em base seca. Ou seja, de 15 a 20 kg de óleo. Logo, temos de 6 a 8 mil quilos de óleo por ha!”, destaca o pesquisador do IAC.
Potencial da macaúba como biocombustível
A busca por espécies oleaginosas com maior produtividade é uma necessidade para alcançar a autossuficiência energética nacional.
Enquanto a soja produz cerca de 500 litros de óleo vegetal por hectare, a macaúba rende aproximadamente 2.500 litros no mesmo espaço produtivo, ou seja, demanda 5 vezes menos área plantada.
Há um outro dado importante que merece destaque: no Brasil a demanda legal atual de biodiesel está próxima de 8,5 bilhões de litros/ano, basicamente utilizado em transporte terrestre.
“Essa necessidade deve aumentar em virtude de compromissos governamentais de incremento da proporção da mistura”, complementa Carlos Colombo.
Além disso, a aviação civil e a navegação são outros dois setores que visam revolucionar as reduções das emissões de CO2 por meio do uso de biocombustíveis. A demanda será grande!
Diante deste cenário, o óleo vegetal é, de longe, a mais importante matéria-prima para esses setores alcançarem os patamares de emissão de CO2 prometidos.
“Apenas na área da aviação civil, a produção estimada de SAF (Sustainable Aviation Fuel) para 2050 é de 480 milhões de toneladas!”, destaca Colombo.
O pesquisador lembra que, atualmente, a produção global de óleo vegetal é de 220 milhões de toneladas/ano, sendo que cerca de 85% desse óleo é consumido pela indústria alimentícia.
Onde plantar macaúba no Brasil?
Diante do exposto anteriormente, surge a pergunta: de onde vai sair todo esse óleo projetado para 2050?
Colombo propõe algumas possibilidades.
“Em São Paulo, o Vale do Paraíba do Sul, principal bacia leiteira do estado – localizado entre as duas principais capitais e rica inserção industrial – seria o melhor lugar para expansão dos plantios”.
Outra possibilidade é a região de cerrado do estado, entre Ribeirão Preto e Botucatu.
“Ela tem áreas com declividade acima de 12% e vem expulsando a cultura da cana-de-açúcar. Logo, essa também seria outra região alvo para plantio”.
E, por último, a região do Pontal do Paranapanema. “Essa é uma região de ocorrência natural e abundante da espécie prima da macaúba. Por isso, seria forte candidata a receber plantios escalonados”.
Desafios e oportunidades para biocombustíveis de macaúba
Assim como quaisquer outras possibilidades, o biocombustível de macaúba tem desafios e oportunidades de mercado.
Em relação às oportunidades, Carlos Colombo lembra que o uso antrópico da macaúba coincide com a história da civilização humana no continente americano, com registros arqueológicos de aproximadamente 11 mil anos.
Curiosamente, a domesticação da espécie acima do equador envolveu uso alimentício da polpa e abaixo do equador uso da polpa e da amêndoa para óleo.
Portanto, o pesquisador destaca que essa é uma espécie que foge da polarização alimento x energia. “Ela tem ambas as finalidades de uso”, afirma.
Colombo complementa. “Após extração dos seus óleos, dispomos de duas tortas, uma muito rica em fibra alimentar (15%), derivada da polpa, e outra muito rica em proteína (38%), derivada da amêndoa”.
Já seus óleos têm dois destinos:
- Rico em ácido oleico, voltado para a indústria alimentícia e de energia.
- Rico em ácido láurico, destina-se tanto para a indústria de alimentos como de cosméticos.
Já quanto aos desafios, Colombo reforça que eles estão nas duas pontas da cadeia.
Em um primeiro ponto, ele reforça que não dispomos de materiais genéticos que ofereçam a uniformidade desejada pelo setor comercial.
“Os plantios vêm sendo conduzidos a partir de sementes dos melhores maciços naturais que temos conhecimento, porém com alta variabilidade genética”.
O IAC desenvolve pesquisas nessa linha e deve lançar nos próximos cinco anos a primeira cultivar comercial.
O segundo desafio está na colheita, pós-colheita e processamento dos frutos, ou seja, no final da cadeia.
Colombo destaca que já existe tecnologia de processamento para pequena escala de produção. Porém, quando se pensa em milhares de hectares a serem plantados, os procedimentos industriais precisarão ser revistos.
“Esse segundo desafio já está sendo superado por meio de grandes investimentos do setor produtivo”, finaliza Carlos Colombo.