O agronegócio brasileiro está prestes a enfrentar uma das maiores transformações de sua história. A reforma tributária não se limita a trocar siglas de impostos: ela altera a lógica de faturamento, impõe novas obrigações fiscais e exige uma mudança cultural na gestão das propriedades rurais.
Produtores terão de lidar com dois sistemas tributários até 2033, adaptar contratos, revisar estratégias e se preparar para um cenário em que falhas na emissão de notas fiscais podem paralisar cadeias inteiras. Paralelamente, questões trabalhistas ganham complexidade, com exigências que vão da prevenção de riscos psicossociais à adequação de contratos sazonais.
Mudança de paradigma na tributação
“A reforma não é só sobre tributo, é sobre negócio, dinheiro e família”, afirmou Alessandra Okuma, advogada e doutora em Direito Tributário, durante a 10ª edição do Congresso Nacional das Mulheres do Agronegócio. Ela destacou que os pilares da mudança — transparência, neutralidade, simplicidade, cooperação e proteção ao meio ambiente — já estão na Constituição. “Estamos diante de uma mudança constitucional. Quem vai se sobressair é aquele mais preparado, mais adaptável”, disse, citando Darwin para ilustrar a necessidade de adaptação.
O impacto será direto no produtor rural, que poderá optar entre dois regimes quando tiver receita anual até R$ 3,6 milhões: ser contribuinte do IBS e CBS, com direito a crédito amplo, ou não contribuinte, com crédito presumido. “Isso vai afetar toda a cadeia, inclusive fornecedores, que vão querer saber qual crédito estão recebendo”, alertou Fernanda Malta, head de tributos da CHS América do Sul.
Impactos práticos e urgência na adaptação
A transição ocorrerá entre 2026 e 2032, mas as mudanças começam já em janeiro de 2026. “Se não estivermos preparados para emitir notas fiscais no novo layout, não vamos faturar”, enfatizou Fernanda. O primeiro ano será de testes: não haverá cobrança de tributos, mas será obrigatório configurar os novos documentos fiscais.
Outro ponto crítico é a centralização das informações. “Agora teremos um único banco de dados compartilhado por União, estados e municípios. Se houver divergência entre nota fiscal e declaração de imposto de renda, a multa pode chegar a 75%”, alertou Alessandra, reforçando a necessidade de contadores de confiança e controles rigorosos.
Além disso, a reforma prevê alíquotas reduzidas para produtos agropecuários e zero para ovos, frutas, bens de capital, operações com cooperativas e exportações. Por outro lado, o ITCMD (imposto sobre transmissão causa mortis) poderá chegar a 8%, o que exige planejamento sucessório. “Um inventário pode durar 20 anos e dobrar o custo com impostos”, disse Alessandra.

Contratos e profissionalização
Fernanda reforçou que a mudança não é apenas técnica, mas cultural. “Não é uma adaptação, é uma outra maneira de pensar. Vamos conviver com dois sistemas tributários até 2033. Isso exige análise de contratos, cadastro e posicionamento estratégico na cadeia”, explicou.
Ela também alertou para impactos no fluxo de caixa e na negociação com fornecedores. “A sistemática de crédito fiscal vai influenciar quem você escolhe para comprar e vender. É um exercício que começa agora”, afirmou.
Relações trabalhistas: prevenção e saúde mental
No mesmo painel, Adriana Galvão, secretária-geral da OAB/SP, trouxe à tona desafios trabalhistas. “Contratos de safra não podem ser prorrogados para evitar unicidade contratual”, explicou. Ela citou casos de cooperativas rurais que foram consideradas fraudulentas pela Justiça do Trabalho, transformando relações cooperativas em vínculos empregatícios.
Outro alerta é para normas de saúde e segurança. “A NR1 agora exige programas de gerenciamento de riscos, incluindo saúde mental. Já são mais de 430 mil afastamentos por questões psicológicas”, informou Adriana. Empresas que não adotarem políticas preventivas poderão sofrer multas específicas.
Ela também destacou mudanças trazidas pela reforma trabalhista, como contratos intermitentes, e desafios modernos como teletrabalho e direito à desconexão. “A fiscalização vai bater na porta para ver como as empresas estão cuidando da saúde mental dos colaboradores”, afirmou.
Cenário atual exige preparação
O recado das especialistas é claro: o agronegócio precisa se preparar para um cenário de maior complexidade tributária e trabalhista. Planejamento, profissionalização e união entre produtores, cooperativas e empresas serão fundamentais para enfrentar as mudanças sem comprometer a competitividade do setor.