André Barabino, sócio nas áreas de Contencioso e de Agronegócios de TozziniFreire Advogados
Elias Marques de Medeiros Neto, sócio nas áreas de Contencioso e de Agronegócios de TozziniFreire Advogados
Marina Silva Caramuru, advogada na área de Contencioso de TozziniFreire Advogados
É inegável que o aquecimento global trouxe diversos impactos para o clima no planeta e, no Brasil, não poderia ser diferente. Neste ano, fomos surpreendidos por alguns eventos climáticos extremos, como calor intenso no inverno e a visita de frentes frias e até massas de ar polar em meses quentes, em que essas circunstâncias não são comuns.
As geadas surgem como um efeito desses eventos climáticos e consistem na formação de finas camadas de gelo sobre as plantas, o que muitas vezes acaba matando plantações inteiras e prejudicando as safras, com impactos diretos na economia do agronegócio.
Em razão das alterações climáticas, o efeito da geada, neste ano de 2021, afetou grande parte das regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste do Brasil e impactou diretamente a produção agrícola no país.
Isso porque a cadeia do agronegócio é complexa e possui diversos agentes envolvidos, desde fornecedores de insumos, produtores rurais, indústria, logística, órgãos financeiros, até o comércio para o consumidor final. E, para cada uma dessas relações, há contratos e negócios jurídicos específicos, cada um com as suas singularidades e regras autônomas.
Nesse contexto, questiona-se se o referido fenômeno da natureza pode ser entendido como uma hipótese de “caso fortuito” ou de “força maior” – conceitos previstos no Código Civil Brasileiro, que podem afastar a responsabilidade civil das partes envolvidas, em razão dos danos causados pela ocorrência de determinadas circunstâncias inevitáveis.
Ainda nesse cenário de possíveis discussões contratuais em razão de eventos climáticos extremos, outra tese capaz de afastar a responsabilidade dos agricultores por eventuais danos decorrentes da geada é a denominada “teoria da imprevisão”, por meio da qual se entende possível o desfazimento ou a revisão forçada do contrato, quando a prestação se tornar excessivamente onerosa a uma das partes em decorrência desses eventos imprevisíveis e extraordinários da natureza.
Além do efetivo impacto desses eventos climáticos nos contratos – que, em tese, autorizariam a aplicação dessas possíveis teses de exclusão de responsabilidade –, também se faz necessário observar as regras gerais de interpretação dos contratos. Referidas regras gerais de hermenêutica orientam que os negócios jurídicos devem ser analisados sob a ótica de determinados princípios, como os da liberdade contratual e da obrigatoriedade dos efeitos contratuais, assim como da boa-fé objetiva, da função social do contrato e da autonomia privada das partes.
Assim, como saber se terei que arcar com os danos causados pelas geadas ou por outros eventos da natureza?
Para responder a tais questionamentos, vale acompanhar como a jurisprudência vem se posicionando. Em muitas situações, os nossos tribunais já afastaram a teoria da imprevisão e o inadimplemento por caso fortuito e força maior, considerando-se aspectos objetivos dos casos práticos analisados. De outro lado, em casos em que as circunstâncias imprevisíveis restaram devidamente comprovadas, há exemplos de julgados que entenderam possível a aplicação das referidas teses de exclusão de responsabilidade.
Por exemplo, segundo o Superior Tribunal de Justiça (STJ), responsável por uniformizar a interpretação da lei federal em todo o Brasil, as hipóteses de caso fortuito e a força maior têm sido entendidas atualmente pela jurisprudência como espécies do gênero fortuito externo, sendo entendido como evento que, além de imprevisível e inevitável, precisa ser estranho à organização da empresa. Em contrapartida, para o STJ, o gênero fortuito interno, “apesar de também ser imprevisível e inevitável, relaciona-se aos riscos da atividade, inserindo-se na estrutura do negócio” (REsp 1.450.434). Desse modo, a corte superior entende que apenas na hipótese de fortuito externo é que será possível aplicar a excludente de responsabilidade.
Nesse cenário, observa-se que um aspecto importante considerado pelos nossos tribunais ao julgar casos relacionados a inadimplemento contratual em razão de eventos da natureza, seria justamente a previsibilidade do evento danoso, considerando o risco do negócio.
E, especificamente em relação ao agronegócio, verifica-se a existência de julgados no sentido de que secas, pragas, estiagens e alterações climáticas não podem ser consideradas como fatores imprevisíveis ou extraordinários, capazes de autorizar a aplicação da teoria da imprevisão, na medida em que seriam riscos inerentes à atividade rural. De qualquer modo, também existem julgados em sentido contrário, sendo sempre necessário analisar a situação no caso concreto.
Assim, considerando a ocorrência dos eventos da natureza, os diversos agentes do agronegócio têm, à sua disposição, um amplo arsenal de argumentos jurídicos que podem ser explorados. Para tanto, poderão se socorrer dos variados métodos de solução de controvérsias – como negociação, mediação, conciliação, dispute boards, arbitragem ou judiciário –, para defender seus respectivos interesses, em situações relacionadas aos impactos dessas alterações climáticas no país.