Referência nacional em economia e gestão do agronegócio, Margarete Boteon é professora da USP/ESALQ e coordenadora das pesquisas de HF, citros e café do Cepea – Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada. Com mais de duas décadas de atuação, ela lidera uma equipe que monitora preços, tendências e a competitividade das principais cadeias de frutas e hortaliças do país.
Nesta entrevista exclusiva, Margarete analisa os principais desafios e oportunidades do hortifruti brasileiro, destaca o papel da inovação e da organização da cadeia e aponta o tripé que deve sustentar o setor nos próximos dez anos: tecnologia, eficiência e agregação de valor.
1) Quais são hoje os principais desafios enfrentados pelos produtores de hortifruti no Brasil?
O grande desafio é a comercialização doméstica. Quando a produtividade aumenta e há maior oferta no mercado, observa-se uma forte desvalorização do produto, reduzindo a renda do produtor. Já em períodos de normalidade, a cadeia tradicional de comercialização pouco agrega valor, limitando a captura de ganhos pelo setor produtivo.
Esse cenário evidencia a necessidade de aprimorar os canais de comercialização, ampliando a capacidade de diferenciação e agregação de valor — seja por meio de certificações, rastreabilidade, padronização de qualidade ou uso de tecnologias de pós-colheita. Além disso, o fortalecimento da industrialização em maior escala se apresenta como caminho estratégico, permitindo absorver excedentes, reduzir volatilidade de preços e ampliar a competitividade.
Em síntese, o desafio não está apenas em produzir mais e melhor, mas em estruturar um modelo de comercialização e agregação de valor que garanta maior estabilidade e remuneração ao produtor.
2) Na sua visão, quais oportunidades mais promissoras o setor de HF pode aproveitar nos próximos anos?
Há espaço para: (i) agregação de valor por qualidade e pós-colheita (embalagem, frio, padronização); (ii) ganhos de eficiência produtiva via tecnologia (mudas enxertadas, manejo de precisão); (iii) posicionamento em nichos de consumo (saúde, conveniência, sustentabilidade) e (iv) ampliação de mercados externos onde o Brasil já demonstrou competitividade em frutas selecionadas. As projeções de consumo até 2040 são favoráveis ao segmento, desde que as tendências sejam capturadas com estratégia comercial e inovação.
3) Como a inovação e a tecnologia podem ajudar a reduzir custos e aumentar a competitividade do hortifruti brasileiro?
A inovação é um eixo central para a sustentabilidade econômica e a competitividade do hortifruti brasileiro. Do ponto de vista “de porta-dentro”, tecnologias como mudas enxertadas, melhoramento genético, manejo integrado, plasticultura e irrigação de precisão têm elevado a eficiência produtiva, reduzindo perdas no campo, otimizando o uso de insumos e melhorando a regularidade da oferta.
Já no âmbito “pós-porteira”, os avanços em pós-colheita e logística refrigerada são decisivos para diminuir desperdícios e ampliar a vida útil dos produtos. Nesse contexto, empresas de produtos minimamente processados (higienizados), prestadoras de serviços logísticos especializados e a indústria de sucos e de congelados se destacam como parceiras estratégicas. Essas iniciativas não apenas ajudam a absorver excedentes e reduzir a volatilidade de preços, mas também abrem espaço para a industrialização em maior escala, ampliando a escala de produção e a inserção em novos nichos de mercado, tanto internos quanto externos.
Assim, a combinação de inovações no campo e tecnologias pós-colheita constitui um caminho para reduzir custos, garantir maior previsibilidade de margens e consolidar o posicionamento competitivo do setor no cenário global.
4) O que mais pesa no custo de produção e como isso impacta a rentabilidade do produtor?
A estrutura de custos no setor de hortifrúti brasileiro é bastante heterogênea, variando conforme a cultura e a região produtora. Ainda assim, três componentes aparecem de forma recorrente como os mais relevantes: insumos agrícolas (fertilizantes e defensivos), mão de obra — sobretudo a de colheita — e o frete.
No caso das hortaliças, a forte alta dos fertilizantes em 2021-2022 ilustra bem essa sensibilidade: os custos totais subiram de forma expressiva, comprimindo as margens de rentabilidade. Esse histórico revela que a sustentabilidade econômica do produtor é altamente vulnerável a choques nos preços de insumos e na remuneração da mão de obra.
Outro ponto crítico é a dolarização de parte significativa dos custos, sobretudo em insumos importados. Enquanto os custos respondem diretamente ao câmbio, as receitas permanecem majoritariamente domésticas, limitando a possibilidade de repasse integral ao consumidor. Em períodos de valorização do dólar, esse descompasso estreita ainda mais as margens, comprometendo a estabilidade financeira do setor.

5) Qual é o papel da organização e da profissionalização da cadeia para fortalecer o setor de HF?
A organização e a profissionalização da cadeia de hortifrúti são fundamentais para a sustentabilidade e a competitividade do setor. Entidades organizadas, como associações de produtores, cooperativas e sindicatos, desempenham papel estratégico na coordenação de interesses, regulação setorial e representação institucional. Esses atores conseguem negociar melhores condições de comercialização, defender pautas junto ao poder público e ao mercado, e fomentar práticas coletivas de qualidade e rastreabilidade.
A profissionalização da gestão, por sua vez, garante maior previsibilidade e eficiência em todas as etapas da cadeia. Isso envolve desde a padronização de produtos e processos — reduzindo perdas e elevando a confiança do consumidor e do comprador — até a adoção de inteligência de mercado e uso de dados para orientar decisões produtivas e comerciais.
Além disso, a atuação organizada fortalece a capacidade de regulação de mercado, oferecendo maior estabilidade frente a oscilações de oferta e demanda. Quando produtores e comerciantes atuam de forma coordenada, é possível planejar melhor os fluxos de abastecimento, ampliar o acesso a crédito e a tecnologias, e, sobretudo, capturar valor agregado em etapas pós-colheita e de comercialização.
Em resumo, a organização e a profissionalização da cadeia não apenas reduzem fragilidades estruturais, mas também ampliam a inserção competitiva do hortifrúti brasileiro, tanto no mercado interno quanto no externo.
6) De que forma o comportamento do consumidor tem influenciado a produção de frutas e hortaliças no país?
O comportamento do consumidor tem sido um dos vetores centrais na transformação do setor de hortifrúti. As principais tendências contemporâneas de consumo — saúde, conveniência e sustentabilidade — moldam de maneira direta a forma como frutas e hortaliças são produzidas, processadas e ofertadas. Isso se reflete na maior demanda por porções prontas, alimentos minimamente processados, produtos com rastreabilidade, menor uso de defensivos e menor impacto ambiental.
No entanto, o nível de renda da população brasileira permanece como um fator limitante para a expansão mais acelerada do consumo. Em segmentos de maior poder aquisitivo, há clara valorização de atributos como qualidade, certificação, segurança alimentar e apelo sustentável. Já em classes de renda mais baixa, o consumo tende a ser mais restrito a preço e disponibilidade, resultando em padrões de demanda distintos e muitas vezes concentrados em produtos básicos.
Essa dualidade cria uma segmentação de mercado que desafia o produtor e o setor como um todo: de um lado, a necessidade de atender consumidores de maior renda, exigentes em atributos de valor agregado; de outro, a urgência de manter acessibilidade e competitividade de preços para a base de consumo da população.
Portanto, o comportamento do consumidor brasileiro pressiona o setor a buscar simultaneamente eficiência produtiva, inovação em pós-colheita e diferenciação de produtos, de forma a equilibrar qualidade, preço e sustentabilidade, respeitando as distintas realidades socioeconômicas do país.
7) Como você enxerga a inserção do Brasil no mercado internacional de hortifruti?
O país é competitivo em diversas frutas (manga, melão, mamão, uva, lima ácida), com ganhos quando há regularidade de qualidade e calendário. Contudo, barreiras e sobretaxas (caso de 2025 para uva e manga destinadas aos EUA) pressionam preços líquidos no destino e margens do produtor/exportador, reforçando a necessidade de diversificação de mercados e eficiência logística.
8) E olhando para o futuro: qual é a sua expectativa para o setor de HF no Brasil nos próximos 10 anos?
O cenário de base é positivo, porém desafiador: (i) regularidade da oferta e preços mais estáveis tendem a emergir com melhor gestão climática e investimentos; (ii) consumo doméstico deve crescer se renda e confiança retomarem; (iii) ganhos em pós-colheita e cadeia do frio são determinantes para capturar valor; (iv) no comércio exterior, competitividade estrutural se mantém, mas a política comercial exigirá adaptação e diversificação. Em síntese, tecnologia + organização + mercados formam o tripé da competitividade para 2025-2035.
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