Em 2026, o mundo vai olhar para a mulher agricultora como nunca. A Assembleia Geral da ONU declarou o Ano Internacional da Mulher Agricultora, e a FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura) foi convidada a coordenar a agenda — uma chance concreta de transformar reconhecimento em políticas públicas, investimento e inovação com foco em igualdade de gênero na agricultura e empoderamento feminino rural

A própria FAO destaca que a celebração deve servir de plataforma para remover barreiras (terra, crédito, tecnologia, formação) e apoiar decisões que valorizem o papel feminino nos sistemas agroalimentares e na segurança alimentar.

Siga na leitura para entender o que está em jogo, conhecer desafios e oportunidades — e ver, na prática, como o Brasil pode fazer de 2026 um marco para o desenvolvimento rural sustentável.

“É sobre abrir caminho e dividir a liderança”: o que 2026 representa

“É algo simbólico no reconhecimento à importância da participação das mulheres no agro. Ao longo da história, muitas produções passam pelas mãos de mulheres, mas a visibilidade e a liderança sempre se concentraram muito em figuras masculinas. Vejo que é sobre reconhecer e criar caminho para que as mulheres ocupem esses espaços e participem, lado a lado com os homens, da construção do futuro da produção.” — Mariana Beckheuser, CEO da Beckhauser.

A resolução da ONU (A/RES/78/279) oficializa a celebração em 2026 e convida países e organizações a assumirem compromissos verificáveis, com a FAO articulando iniciativas globais e nacionais. É a janela ideal para alinhar políticas, compras públicas e programas de crédito com metas de gênero – do acesso à terra à inclusão digital no campo.

A força da mulher agricultora nos sistemas agroalimentares

Mulheres sustentam etapas decisivas: da agricultura familiar ao processamento, da comercialização local às redes de abastecimento. Segundo a FAO, 36% das mulheres ocupadas no mundo trabalham em sistemas agroalimentares, o que mostra o peso econômico e social dessa participação. 

Em paralelo, os dados mais recentes indicam que as mulheres representam 39,6% da força de trabalho agrícola global (agricultura, silvicultura e pesca), evidenciando o quanto a agenda de 2026 pode gerar impacto direto na produtividade e renda rural. 

“As mulheres sempre tiveram um papel de grande importância na agricultura familiar, tanto na segurança alimentar do lar quanto no cuidado com os filhos. Criar ferramentas que fortaleçam a consolidação familiar diante das inseguranças alimentares é o principal objetivo, garantindo estabilidade mesmo em situações de vulnerabilidade”, afirma Maristela Rodrigues, engenheira ambiental e  representante oficial nas negociações da ONU em defesa ambiental do Cerrado na COP 30. 

Onde estão as barreiras e como elas travam produtividade

Apesar da presença expressiva, persistem obstáculos: acesso desigual à terra, ao crédito, à assistência técnica e à tecnologia; sobrecarga de trabalho doméstico e diferença salarial; além de maior informalidade. A FAO estima que reduzir as lacunas de gênero pode elevar o PIB global e diminuir a insegurança alimentar — efeito sistêmico de adotar políticas com recorte de gênero nos sistemas agroalimentares.

“A principal barreira ainda é cultural. A visão patriarcal e machista persiste em várias regiões. E o consórcio entre as demandas do negócio e as da família recai, na prática, sobre as mulheres. Tecnologia é aliada para reduzir barreiras físicas e abrir espaço – por exemplo, automação em currais aumentou a participação feminina no manejo do gado. Quando trazemos tecnologia, melhoramos produtividade e retenção de talentos no campo.”, reforça Mariana Beckheuser.

Para Maristela Rodrigues, outra dificuldade central para as mulheres no campo é o acesso à terra. Ela observa que, para adquirir uma propriedade, seja por compra, financiamento ou programas governamentais, elas ainda enfrentam muitas barreiras. Muitas permanecem em acampamentos ou têm dificuldades para obter crédito e incentivos, já que acumulam uma grande carga de responsabilidades domésticas, como cuidar da casa, dos filhos, da escola e do transporte das crianças. Esses fatores, segundo ela, acabam reduzindo o ritmo com que conseguem alcançar seus objetivos.

No entanto, ela reforça que é possível reverter este cenário. “Com condições de trabalho favoráveis, políticas públicas para mulheres rurais, acesso à tecnologia, internet de qualidade e capacitação, essas barreiras podem ser superadas, acelerando a transformação da realidade das mulheres no campo”, afirma Maristela, que é  também CEO da Four Ambiental e presidente da OSCIP “Amigos do Rio”, organização dedicada à fiscalização, preservação e educação ambiental com foco na recuperação de nascentes.

O que esperar de 2026: políticas públicas e iniciativas com efeito prático

A FAO sinaliza prioridades para o Ano Internacional: fortalecer acesso a recursos produtivos (terra, água, crédito), ampliar formação técnica e extensão rural com recorte de gênero, acelerar inclusão digital (apps de clima e mercado) e promover participação na tomada de decisão — de cooperativas a conselhos. Em paralelo, políticas de compras públicas e social protection podem criar demanda estável para produtos liderados por mulheres. 

“Vejo políticas presentes no incentivo à agricultura familiar (compra de alimentos para escolas), crédito como o Pronaf Mulher e questões de propriedade da terra. E os grupos de mulheres do agro têm papel essencial: criam ambientes de confiança, aprendizados e trocas. Falta avançar no enfrentamento da violência contra a mulher no campo — precisamos de políticas públicas e campanhas de prevenção.” — Mariana Beckheuser.

Perspectivas para o Brasil e América Latina: da imagem ao legado

A região tem protagonismo feminino rural e, ao mesmo tempo, desafios históricos. 2026 pode ser o ponto de virada para:

  • Consolidar rastreabilidade e comprovar bem-estar animal e baixo carbono em cadeias lideradas por mulheres;
  • Escalar inovação (cooperativas, hubs, marketplaces) que reduzam custo de transação e ampliem mercado;
  • Integrar agroecologia e diversificação produtiva para reforçar segurança alimentar e renda.

“Temos a chance de nos apresentar ao mundo como referência em produção sustentável. Já há muitos bons exemplos no agro de atendimento à demanda por alimentos saudáveis e de mitigação da crise climática. Mulheres são protagonistas e muitas vezes pioneiras nessa agenda — e a comunicação e a colaboração femininas aceleram a transformação.” — Mariana Beckheuser.

3 passos para 2026 deixar legado 

Para que 2026 deixe legado real para a mulher agricultora, reunimos um roteiro prático em 3 passos que conecta visão e execução. Confira: 

1) Políticas públicas para mulheres rurais

Sem recorte por sexo, a mulher agricultora permanece invisível nas estatísticas e fica fora das decisões que movem os sistemas agroalimentares. Metas claras destravam crédito, compras públicas e assistência técnica — e isso se traduz em segurança alimentar e renda.

Como fazer : 

  • Cadastros e metas: incluir “sexo do titular” em cadastros/benefícios e estabelecer metas de acesso à terra e crédito (ex.: % do Pronaf contratado por mulheres);
  • Assistência técnica com prioridade: filas dedicadas, agendas compatíveis com a realidade do cuidado (horários/creche comunitária nos polos);
  • Compras institucionais com pontuação extra: merenda/hospitais priorizando produtos de agricultura familiar liderada por mulheres;
  • Editais de inovação: trilhas específicas (máquinas leves, digitalização, cooperativismo).

2) Tecnologia, bem-estar e mercados

Tecnologia reduz barreiras físicas, aumenta produtividade e segurança do trabalho; bem-estar animal e rastreabilidade agregam valor e abrem canais. Resultado: empoderamento feminino rural com retorno econômico.

Como fazer:

  • Automação/ergonomia no manejo: contenção bovina e rotinas que reduzam esforço e risco → mais mulheres no manejo e desenvolvimento rural sustentável.
  • Inclusão digital: smartphones conectados, apps de preço/clima, registro de lote e vendas; capacitação rápida “mão na massa”.
  • Certificações e storytelling: selo de bem-estar, QR code de origem e relato da produtora – diferenciação real na gôndola e no food service.
  • Parcerias comerciais: cooperativas, frigoríficos e marketplaces com linhas específicas para produtos liderados por mulheres.

3) Governança e voz

Por que importa: onde mulheres têm assento e voto (cooperativas, conselhos, câmaras), melhorias de alocação e aderência às políticas aparecem mais rápido. E a agenda de igualdade de gênero na agricultura sai do discurso.

Como fazer (institucionalizar a mudança)

  • Cotas mínimas em conselhos/cooperativas (ex.: 30%) e programas de liderança em gestão/finanças;
  • Redes de mulheres do agro: mentorias, editais de microcrédito, calendário de feiras/rodadas de negócios;
  • Protocolos de prevenção à violência no campo: canais de denúncia, acolhimento e articulação com serviços locais.

O Ano Internacional da Mulher Agricultora (2026) só fará sentido se virar resultado permanente: direitos, acesso a recursos, renda, igualdade de gênero na agricultura e cadeias mais eficientes. Com coordenação da FAO e compromisso da ONU, o Brasil tem tudo para transformar esse marco em políticas e negócios que deixem legado — da agricultura familiar às exportações, da inovação à segurança alimentar.

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Conheça a história de quem está conectando o campo ao digital e acelerando o protagonismo feminino. Leia: “Mi Guizini e a conexão entre o campo e o digital”