Você já assistiu o filme “Perdido em Marte”? Nele, o personagem Mark Watney, feito por Matt Damon, tenta cultivar batatas no planeta vermelho para sobreviver. Mas, será que plantar em Marte é realmente possível?
Pode até parecer muito distante e estar reservado apenas aos filmes de ficção, mas saiba que isso pode se tornar possível no futuro. Quem afirma isso é a astrobióloga brasileira Rebeca Gonçalves.
Decidida a buscar uma solução para os escassos recursos do planeta vermelho, a astrobióloga está pesquisando uma técnica da civilização maia para simular a agricultura no solo extraterrestre.
Para apresentar detalhes dessa possibilidade, a Agrishow Digital conversou com Rebeca para entender essa pesquisa e perguntar se, realmente, é possível plantar em Marte.
Colonizar Marte: por que é um objetivo ambicioso da humanidade?
Desde sempre, o planeta Marte está no horizonte da nossa civilização. Queremos colonizar o planeta vermelho há décadas!
O futuro da exploração espacial é um projeto ambicioso, com vários agentes investindo dinheiro e conhecimento.
Mas por que colonizar Marte é um dos projetos mais ambiciosos da atualidade? Para Rebeca Gonçalves há duas razões principais:
1 - Científica
Para a pesquisadora, os Rovers (mistura de robôs com veículos) mandados ao espaço fazem um bom trabalho, mas ter humanos em laboratórios locais seria um milhão de vezes mais eficiente.
“Queremos explorar mais da ciência de Marte, sua composição, sua atmosfera e quem sabe, encontrar vida lá”, diz.
2 - Econômica
Rebeca explica que Marte é vizinho de um cinturão de asteroides essenciais para a vida na Terra.
“Estes asteroides contêm muitos minerais e materiais escassos na Terra, alguns têm muito ouro, e também materiais que um dia vamos precisar para mineralização da Terra e permitir que a humanidade continue vivendo (ex. ferro)”.
Diante disso, a pesquisadora reforça que o setor espacial entrou agora em uma nova era, chamada “New Space”, onde empresas privadas percebem o valor econômico da exploração espacial.
Logo, para Rebeca, ter uma base em Marte é essencial para a mineração desses asteroides. “Em um futuro não tão distante, ambos cientistas e mineradores espaciais terão de viver em Marte e com isso, terão de comer lá”.
Assim, para a maior segurança alimentar da colônia, é importante que todo alimento seja gerado localmente. Já imaginou ter o risco de um foguete contendo toda a comida explodir no lançamento? O projeto seria um fracasso e vidas seriam perdidas!
“Plantar em Marte é o passo mais essencial para essa independência e, com isso, a segurança alimentar das colônias marcianas”, afirma a astrobióloga.
Mas afinal, é possível plantar em Marte?
A possibilidade de cultivar plantas em Marte é um tema fascinante e objeto de muitas pesquisas. E, segundo Rebeca Gonçalves, essa é sim, uma boa possibilidade! Mas há alguns desafios.
Em um primeiro momento, ela explica que o solo marciano é totalmente estéril, sem conter nenhuma matéria orgânica, tanto que nem esse é o termo correto.
“Chamamos de "regolito" marciano ao invés de solo marciano. Por definição, regolito é um solo sem nenhuma matéria orgânica”, diz a pesquisadora.
Ele é composto principalmente de dióxido de silício e óxido de ferro, contendo também óxido de alumínio, óxido de cálcio e óxido de enxofre, óxido de magnésio.
Assim, em suas pesquisas, Gonçalves contou com uma ajuda valiosa da Nasa, a agência espacial dos Estados Unidos.
“Eu trabalhei com um simulador de regolito marciano desenvolvido por um time de pesquisadores na NASA, baseado nos dados que os rovers que estão em Marte nos mandam. Essa é uma réplica quase perfeita (match de 97%) do regolito real de Marte”.
Este é o simulador "oficial" utilizado para pesquisas de agricultura espacial também nos laboratórios da NASA.
“Como ele é super fidedigno ao real, os resultados também são confiáveis, ou seja, o que conseguimos cultivar neste simulador, conseguimos plantar em Marte”, diz.
Desafios para a implantação da agricultura marciana
Os recursos escassos são os maiores desafios para a agricultura marciana, estes incluem:
- Água;
- Nutrientes (ex. fertilizantes);
- Energia (para manter temperatura, para as luzes etc.);
- Espaço físico.
- Quantidade de CO2 limitada
“A atmosfera do planeta vermelho é composta principalmente de CO2, mas ela só consiste em 1% da “grossura” da atmosfera da Terra, ou seja, é também limitada”, destaca a pesquisadora.
Além disso, as características do regolito geram dois desafios.
Em um primeiro momento, será necessário, devagarzinho, regenerar este regolito estéril para que ele se torne um solo fértil.
Em segundo lugar, o regolito marciano contém uma substância tóxica chamada Perclorato, que é tóxica para humanos e plantas.
“Aqui na Terra já temos algumas pesquisas trabalhando com a fitoremediação ou bioremediação desse perclorato. Um exemplo é a utilização de plantas ou microrganismos capazes de reciclar ou absorver este perclorato, livrando assim o regolito dele”, complementa Rebeca.
As tecnologias para o cultivo de alimentos em Marte avançam!
Para pesquisadores, astrofísicos e astrobiólogos, a coisa mais interessante do mundo é pensar no espaço e na colonização de Marte.
Assim, a pergunta não é “se vamos colonizar Marte” e sim “quando vamos colonizar!”. Para isso, existem algumas pesquisas em andamento.
Rebeca Gonçalves explica que, além do cultivo em regolito, há estudos relacionados ao cultivo em hidroponia e aeroponia, em fazendas indoors verticais.
“Essas tecnologias ajudam a economizar até 80% de água, e otimizam o espaço físico, dois recursos escassos”.
Porém, eles são também sistemas complexos e contém um "buffer" muito curto: se qualquer coisa der errada dentro do sistema, todas as plantas morreriam dentro de 2h a 2 dias.
“Isso é preocupante, pois pode não ser tempo o suficiente para encontrar e solucionar o problema”, salienta a Rebeca.
O regolito oferece um buffer muito maior de 2 semanas. “Provavelmente será um casamento entre os dois (aeroponia/hidroponia e regolito) que teremos em Marte”, diz a pesquisadora.
O objetivo final com essa linha de pesquisa espacial seria termos um sistema Bioregenerativo.
Isso significa um sistema fechado, auto suficiente e auto sustentável, onde tudo é reciclado (biomassa e gases) entre plantas, microrganismos e tripulação.
“As plantas oferecem nutrientes para os humanos, e os dejetos dos humanos são digeridos por microrganismos e transformados em nutrientes para as plantas. O ciclo se fecha!”, diz Rebeca.
Policultura: a técnica mais interessante para plantar em Marte!
Rebeca se orgulha de dizer que a sua pesquisa foi a primeira do mundo a aplicar uma técnica ancestral chamada "Policultura" no âmbito da agricultura espacial.
Esta técnica visa cultivar, no mesmo espaço, espécies diferentes que tenham qualidades complementares umas às outras, visando principalmente otimizar os recursos do sistema, produzindo mais comida com menos recursos. “Isso é primordial para uma colônia marciana onde os recursos são limitados”, destaca.
O paper de Rebeca sobre o assunto ganhou tração na mídia por ser uma técnica muito promissora para ser utilizada em missões a Marte.
“Nós plantamos em um simulador de regolito marciano tomates, ervilhas e cenouras, e o resultado foi promissor”.
Logo neste primeiro estudo, os pesquisadores conseguiram que uma das 3 espécies já tivesse sucesso no regolito: os tomates plantados em policultura (ou seja junto às cenouras e ervilhas) produziram:
- O dobro de frutos comparado aos tomates em monocultura (plantados sozinhos);
- Amadureceram mais cedo;
- Tinham plantas mais viçosas.
Benefícios também para a agricultura na Terra
Rebecca ressalta também que toda tecnologia desenvolvida para um sistema agro espacial pode também ser aplicada para o benefício da Terra.
“A tecnologia de regeneração do regolito marciano, por exemplo, pode ser aplicada para regenerar solos degradados aqui da Terra”.
Atualmente, 40% dos solos férteis agrícolas da Terra já foram degradados, afetando a segurança alimentar de mais de 1,5 bilhões de pessoas. No Brasil, este número é de 30% das terras brasileiras que já foram degradadas e estão agora inutilizáveis para a agricultura.
Também, essa tecnologia de um sistema fechado bioregenerativo pode ser aplicado para a realização de pequenos hubs de agricultura urbana local, economizando CO2 e o desperdício de comida ligados ao transporte de alimentos de áreas rurais para urbanas.
A pesquisadora explica que este transporte contribui para 6% da pegada de carbono global, mais do que a indústria inteira de aviação comercial que conta para 4%.
“Esses hubs poderiam também ser instalados em comunidades rurais em áreas que sofrem com a seca, já que eles são totalmente independentes do clima de fora deles”, finaliza.
Para finalizar vamos responder a pergunta do início deste artigo é ela é Sim, como explica Rebeca:
“Já estamos bem encaminhados com muitas pesquisas aqui na Terra, com pesquisadores do mundo inteiro, cada um pesquisando um pedacinho, e logo teremos tudo que precisamos para levar nossa agricultura e plantar em Marte”.
Aproveite para conferir nosso artigo exclusivo sobre as fazendas verticais, que são uma grande tendência na Terra
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