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Agro: o gigante que não despertou

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Não se conquista excelência por meio do autoelogio, mas sim colocando o dedo na ferida, pois o passo seguinte à admissão do erro é o conserto e a evolução.

            Recentemente, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, que é um órgão da Organização das Nações Unidas – criado em 1988 para avaliar a ciência em torno das mudanças climáticas –, divulgou um relatório em que afirma, categoricamente, que é indiscutível que os humanos estão aquecendo o planeta. Esse relatório prevê um aumento de 1,5ºC até 2040. Nesse contexto, a agropecuária brasileira sempre acaba virando alvo de críticas por causa das emissões de gases de efeito estufa.

            Se antes era possível dar de ombros a esse tipo de discussão, tocar a boiada adiante e degradar pastagens a torto e a direito como se não tivéssemos nada a ver com isso; passado algum tempo, o mercado internacional, principalmente em relação à pecuária, começou a ser cada vez mais exigente e o setor foi obrigado a rever sua maneira de pensar e agir.

Afinal, ou mudávamos ou não poderíamos mais bater no peito orgulhosamente para dizer que o Agro é responsável pelo superávit da balança comercial brasileira. E por quê? A equação é muito fácil: ou atendemos os desejos dos nossos clientes ou não teremos mais para quem vender. Simples assim... Ponto.

            A mudança também foi imposta dentro da porteira, uma vez que o acesso à terra passou a ser veementemente fiscalizado e mais caro e, portanto, o pecuarista moderno e inteligente passou a preservar o próprio solo e a se conscientizar de que o seu verdadeiro patrimônio não está no gado, mas na terra que produz o alimento para o rebanho. Além disso, dói muito mais no bolso recuperar ou reformar uma pastagem do que simplesmente tratá-la como uma cultura, atribuindo-lhe a devida manutenção e zelo.

            Na agricultura, principalmente em relação à produção de grãos, tais cobranças internacionais estão cada vez mais arraigadas. Um projeto europeu, lançado em julho de 2021, tornou-se um marco para a incorporação da questão climática nas políticas comerciais. Na União Europeia, produtos importados com a emissão de carbono acima dos padrões europeus serão taxados na fronteira.

            Diante deste cenário de exigências comerciais e alertas climáticos e ambientais, o Agro brasileiro tem tudo para dar certo e nadar de braçada com exemplos extraordinários: a ILPF (Integração Lavoura Pecuária e Floresta); o Plano ABC, uma das principais políticas brasileiras para a agricultura de baixo carbono; o uso de insumos naturais, como o pó de rocha, que é um fertilizante natural proveniente de rochas que contenham substâncias como potássio, calcário e magnésio capazes de devolver ao solo nutrientes perdidos; a economia de água por meio do uso de tecnologia e otimização da irrigação; produção de energia limpa como a solar e a eólica; o biocombustível, como o etanol, entre outros exemplos.

            Mas não adianta só falar, porque o mercado internacional não aceita arrogância e nem bravata. O oposto disso é muito bem-vindo: falar menos, fazer mais e mostrar o que está sendo feito. Nada fala mais alto do que atitude e bom exemplo. É preciso apresentar resultados e métricas.

           Mas aí você vai me advertir: “O Brasil é o maior exemplo do mundo quando o assunto é preservação ambiental”. Pois é, eu também já caí na cilada do discurso repetitivo e defensivo do tipo: o Brasil é o país que mais preserva no mundo inteiro porque tem 66% de sua floresta nativa intacta; os europeus já destruíram as florestas deles e agora estão de olho no que é nosso; o Brasil tem o código florestal mais rigoroso do mundo; o Agro é o protagonista da economia brasileira e representa mais de 25% do PIB nacional e por aí vai...

         Porém, certo dia, depois de 16 anos no Agro, eu parei, refleti e senti vergonha de mim mesma ao continuar reproduzindo em looping um discurso antagônico à incessante busca pela excelência e que em nada – repito: em nada – contribui para o avanço do setor; pelo contrário, apequena o nosso gigante Agro. Ora, se buscamos ser os melhores naquilo que nos propusemos a fazer, chegou a hora de não só falarmos bem de nós mesmos, mas, principalmente, de falarmos mal de quem prejudica o Agro.

        Não se conquista excelência por meio do autoelogio, mas sim colocando o dedo na ferida, pois o passo seguinte à admissão do erro é o conserto e a evolução. Do contrário, somos tão apaixonados, cegos e arrogantes que chegamos ao ponto de acreditarmos que está tudo 100% no Agro e que não precisamos melhorar sequer 1% em nossa jornada. Agimos como se o Agro tivesse atingido a divina perfeição e que falar um “a” que seja é uma grande heresia.

        Mas não posso generalizar. Fui à propriedade de um grande pecuarista gaúcho e lhe perguntei como ele lidava com críticas, puxões de orelha, e sabiamente ele me respondeu: “Eu ando atrás que me puxem as orelhas me trazendo informações de procedimentos que eu deveria implantar ou corrigir deficiências e melhorar. A grande contribuição que sempre peço quando recebo visitas na propriedade é a seguinte: eu não quero que você ache que está tudo bom, eu quero que você diga o que não gostou, o que posso melhorar e o que pode ser mais contributivo, o que pode me trazer mais respostas”. 

        Agora, repliquemos essa mentalidade em todo o Agro e teremos um setor aberto ao diálogo e que prefere ouvir a verdade que fere, com resiliência e discernimento, para que possa melhorar e avançar cada vez mais. É o tipo de humildade e nobreza que calariam a boca até mesmo do mais radical e desinformado ativista ambiental, que não teria argumento suficiente para atacar um setor que defende o mesmo que ele: punição para quem joga sujo no Agro. Desse modo, se o próprio setor argumenta que paga o pato por uma minoria, está na hora de o próprio setor começar a denunciar e podar as ações maléficas dessa tal minoria. Chegou a hora de dar nome aos bois.

        Na contramão disso, uma parte atrasada da agropecuária brasileira se posiciona de forma enfurecida nas redes sociais quando ouve ou lê alguém defendendo o meio ambiente, o que é bem estranho e contraditório porque o produtor rural preserva muito mais do que qualquer outro cidadão urbano. E se você for produtor ou produtora e estiver me lendo agora, reflita: por que você fica colérico(a) quando alguém defende o meio ambiente, se é você quem mais faz pela natureza em comparação com as grandes metrópoles? Você deveria apoiar, não é mesmo? E ainda ajudar a criticar quem faz mal ao meio ambiente, porque você depende da sustentabilidade para continuar produzindo também, correto? Mas, não, você fica indignado(a). Está aí uma incongruência que eu nunca compreenderei na vida. É como se o herói ou a heroína brigasse para ser chamado de vilão ou vilã. Incompreensível.

        Vivo na capital paulista, sou uma urbana que desde criança reconhece os valores do Agro, e nunca ouvir falar sobre ninguém que tenha comprado uma casa de 100 metros quadrados e ocupado apenas 20 % do imóvel por causa de 80% de APP (Área de Preservação Permanente), como ocorre com terras adquiridas na região amazônica. Nunca ouvi falar de alguém que tenha plantando uma árvore no meio da sala de jantar, quiçá tenha plantado feijõezinhos dentro do algodão na aula do ensino primário. Os produtores(as), sim, são grandes heróis, mas, analisemos friamente, deixemos as emoções de lado, esses heróis tornam-se vilões e vilãs pela narrativa e posicionamento equivocados.

       Novamente, quando leem ou ouvem em algum lugar que a imagem do Agro não vai bem lá fora, mesmo que seja pela nociva minoria que queima o setor, negam como meninas e meninos mimados quando contrariados, em vez de admitirem e contornarem com sabedoria a crise de imagem seja nacional ou internacional.

       E existem 3 premissas básicas para gerenciamento de crise de imagem para as quais o gigante Agro ainda não despertou: 1) reconhecer que existe um problema; 2) se colocar como parte do problema, em vez de apenas espectador; 3) estar à disposição para solucionar o problema.

       A realidade é uma só: o dia que tivermos a sensatez e a coragem de repudiarmos publicamente quem suja a imagem do Agro, passaremos a merecer o respeito que tanto reivindicamos. O dia que o gigante acordar para essa realidade, eis que teremos o verdadeiro protagonismo do Agro. Até lá, serão só desculpas e conversinha mole para boi dormir.

Lilian Dias é palestrante e jornalista especializada em agronegócio, possui MBA Executivo pela ESPM, com foco em gestão de negócios e liderança estratégica de pessoas, e é autora do e-book "Os Pilares do Agronegócio". Workshops pelo link: https://www.liliandias.com.br/treinamentos . Instagram: @liliandias.agro - E-mail: [email protected]

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